Nunca foi tão importante para o desenvolvimento social e econômico do
Brasil fazer as pazes com o conhecimento econômico (que chamamos de
economia política). É preciso reconhecer que, não importa qual o
"modelo" que organiza nossa compreensão da realidade e orienta a nossa
ação, o nome do jogo é "competição". Os agentes econômicos (gostemos ou
não) movem-se por incentivos e usam o mercado para fazerem livremente
suas escolhas.
O desenvolvimento é basicamente alimentado pelas "inovações" e todos
devem poder apropriar-se dos benefícios resultantes do seu trabalho. As
regras dentro das quais o "jogo" se realiza são definidas pela
Constituição do Estado onde ele ocorre. Elas devem propiciar um ambiente
institucionalmente amigável para atender às condições anteriores.
O primeiro problema é que, como inúmeros exemplos históricos
comprovam, as decisões tomadas pelo setor privado apenas olhando as
condições presentes tendem, frequentemente, quando não estimuladas por
um Estado-indutor adequado, a ignorar os benefícios futuros de
atividades que não parecem eficientes no curto prazo.
É difícil coordenar com eficácia decisões de longo prazo
No fundo, os mercados e os agentes, deixados a si mesmos, tendem a
ser míopes e oportunistas, por conta da própria opacidade do futuro. No
que respeita às "inovações", é claro que elas não podem ser antecipadas,
nem por eles, nem pelo Estado-indutor. Essa incerteza explica por que é
difícil para o mercado coordenar com eficácia as decisões de longo
prazo.
Talvez o exemplo mais marcante dessa "falha", seja dado pelo que
aconteceu à produção do elemento chamado "terras raras", hoje um insumo
fundamental das novas tecnologias de comunicação, geração de energia
alternativa ao petróleo etc. Há pouco mais de 30 anos, os EUA eram o
maior produtor do mundo. Os chineses usando mão de obra barata, métodos
primitivos e "incentivos" apropriados aproveitaram a oportunidade.
Aumentaram a sua oferta a preços que eliminaram a produção americana.
O mercado revelou sua miopia e oportunismo: transferiu toda a sua
demanda para a China! Os chineses aperfeiçoaram a tecnologia da sua
produção, organizaram-na e mantiveram seus "incentivos". Hoje,
representam 97% da oferta mundial. Controlam a sua exportação (com cotas
que vêm diminuindo) para reservá-lo para uso doméstico, o que lhes dá
vantagem competitiva nas tecnologias de última geração.
Olhado superficialmente, o fato parece sugerir que os dois (os
agentes competitivos nos EUA e o Estado chinês) agiram "racionalmente".
Os primeiros reduziram seus custos. O segundo deu emprego à sua mão de
obra excedente. Logo, tudo parece ter terminado no melhor dos mundos. A
não ser que, entre seus inegáveis talentos, Deng Xiao Ping tivesse,
também, o de conhecer o futuro, é difícil explicar por que ele disse, em
plena crise do petróleo nos anos 80, que "os senhores têm o petróleo,
mas a China tem as terras raras"...
O segundo problema é que não há dúvida sobre as virtudes da
competição e dos mercados (a história mostra que elas existem e são
imensas) nas economias fechadas. Quando se trata de economias abertas
(em que a competição não é entre países, mas entre empresas privadas ou
públicas instaladas em cada um deles), o mínimo que se exige para a
sobrevivência daquelas virtudes é que o comércio se faça em condições
"isonômicas": 1) taxas de câmbio estabelecidas de forma a equilibrar o
fluxo do valor das exportações com o das importações; 2) taxas de juros
reais equivalentes; 3) completa desoneração fiscal das exportações; e 4)
condições equivalentes no crédito e no financiamento às exportações
etc.
É absolutamente legítimo, e economicamente correto, estimular
atividades onde a dimensão do mercado interno, presente ou futuro,
permite, ou permitirá, a absorção de tecnologia capaz de, usando na
margem o mercado externo, construir num prazo razoável vantagens
comparativas para que seus produtos possam competir no exterior sem a
ajuda do Estado-indutor. O fundamental é a existência da capacidade para
absorver a tecnologia, ambientá-la no "estado da arte" e,
principalmente, ter a perspectiva de segura demanda interna futura.
Sem essa última, o incentivo necessário para o início do processo tem
pouca probabilidade de sobreviver. Deveria ser óbvio que os estímulos
chineses (taxa de câmbio desvalorizada, taxa de juros muito baixa e
amplo crédito para exportação), oferecidas a quem investir localmente e
transferir tecnologia, têm funcionado com sucesso porque ela é o mais
apetitoso mercado interno do mundo. E o mesmo vai repetir-se com a
Índia...
Diante do mundo como ele é (e não como supõem os fundamentalistas da
Teoria do Equilíbrio Geral), qual é o sentido do misterioso movimento
(que a Petrobras nega ser dela) que pretende reduzir o índice de
nacionalização no setor petrolífero? Os 30% anunciados de redução de
preços são menores do que a desvalorização administrada do yuan!
A taxa de juros mais baixa e os prazos maiores são oferecidos pelo
Estado-indutor chinês para tentar apropriar-se do maior mercado de
equipamentos petrolíferos dos próximos 20 anos, que é o do Brasil. Se
quiserem aproveitá-lo, que se instalem aqui. Como a Petrobras é uma
empresa público-privada, talvez seja necessário uma compensação, mas
seria um crime de lesa-pátria entregar esse promissor mercado à
indústria instalada no exterior por conta da falta de isonomia
competitiva.
Não se trata, entretanto, de licença para arbitrárias políticas
industriais ou comerciais. É bom não esquecer o velho teorema: todo
imposto sobre as importações é, também, um imposto sobre as exportações!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
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