
Para que o Brasil de 2020 erradique a miséria e caminhe mais próximo
dos países desenvolvidos, é preciso que se faça o controle da inflação e
do crédito e que os governos garantam políticas efetivas de defesa
soberana interna. Esse foi o principal alerta dado pela economista Maria
da Conceição Tavares na 1ª Conferência do Desenvolvimento, promovida em
novembro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em
Brasília. Desafiadora e sempre se fazendo ouvida por especialistas dos
mais diversos setores, Conceição, aos 80 anos, foi a grande convidada do
evento do Ipea (do qual é conselheira). E disse que para garantir o
desenvolvimento do país com vistas aos próximos dez anos é preciso a
conscientização, por parte de técnicos e governantes, de que nem sempre
crescimento significa distribuição de renda.
Ela alerta para o fato de que o desenvolvimento brasileiro deve
continuar sendo norteado por políticas universais de educação, saúde e
de transferência de renda, mas sem que o novo governo deixe de lado o
eixo econômico. “Se não houver melhoria na indústria, por exemplo, vamos
virar um país exportador primário de quinta categoria”, acentuou.
Outros pontos destacados pela economista foram a questão cambial e o
incremento da atual política industrial e tecnológica brasileira, que
considera fundamentais para o desenvolvimento nacional de longo prazo.
E, também, a necessidade de fazer uma reforma tributária – tarefa, de
acordo com ela, que ainda não saiu do papel porque os ricos e grandes
proprietários não querem pagar impostos; quem realmente paga é a classe
média. A verdade é que a dificuldade de uma reforma tributária ser
aprovada decorre do fato de essas pessoas (ricos e grandes
proprietários) serem as que elegem a maior parte do Congresso.
Crise global
Em relação ao momento observado na economia mundial depois da crise
econômica de 2008, Maria da Conceição Tavares afirmou que o Brasil
precisa ficar preocupado e fazer o controle de quantitativos para
combater a inflação, como aumentar o compulsório e controlar o crédito.
“Só não pode puxar a taxa de juros, por conta da situacão fiscal e do
balanço de pagamento”, ressaltou.
De acordo com ela, não é possível deixar o equilíbrio e o
desenvolvimento do país voltados para as tendências do mercado. O
governo precisa ter uma política macroeconômica que desvalorize
lentamente o real para evitar choque de juros e de câmbio, o que poderá
fazer com que o Brasil seja um país independente e soberano nos próximos
anos – “Não apenas para o exterior, mas com políticas de defesa
soberana interna”, assegurou.
Em tempos de discussões sobre os possíveis cortes no Orçamento da
União para 2011, a economista foi além. Disse que a política fiscal de
cortar gastos sociais utilizando como argumento a necessidade de
investir, a seu ver, não faz sentido. “O que se precisa é cortar aquelas
despesas consideradas irrelevantes, como os salários de juízes e
parlamentares, não os gastos sociais. O Congresso Nacional não gera
receita nem justiça, logo não tem direito de criar despesa”, acentuou.
A economista ainda recomendou ao governo que, para manter o
crescimento econômico sem risco inflacionário, faça um “realinhamento
cambial lento” e ao mesmo tempo baixe os juros, iniciando um controle
dos capitais que “entram só para ganhar nos juros e na Bolsa”, com a
permissão da legislação brasileira.
Conceição defendeu a recriação da Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF) – o conhecido imposto do cheque, cujos
recursos eram destinados à área da Saúde. E também a atual política de
reajuste do salário mínimo, que acompanha a inflação mais o crescimento
da economia de dois anos antes. Apesar disso, ressaltou que consideraria
mais eficaz se os reajustes misturassem o crescimento passado com uma
expectativa de crescimento.
Brasil de 2020
A conferência do Ipea teve a proposta de estudar os rumos de
desenvolvimento do país para a próxima década e traçar, de certa forma, o
que seria o início de um novo pensamento desenvolvimentista até o ano
2020, do ponto de vista do planejamento, da economia e das políticas
sociais e de educação. Um dos expositores, o economista e educador
Cândido Mendes, lembrou que um dos avanços dos últimos anos foi o fato
de o Brasil ter saído do chamado Consenso de Washington. “Isso permitiu
que tivéssemos um modelo econômico claro de produção com distribuição de
renda, com a oportunidade de manter e desdobrar o desenvolvimento”,
afirmou.
João Paulo dos Reis Veloso, um dos criadores do Ipea, propôs um
modelo de desenvolvimento para o país baseado no conhecimento. “Na
dimensão econômica, é preciso levar o conhecimento em todas as suas
formas para todos os setores da economia e, na dimensão
econômico-social, levar o conhecimento a todos os segmentos da
sociedade, promovendo inclusão social e digital. Isso exige a
transformação do Brasil em um país de alto conteúdo humano interagindo
com inovação e tecnologia.”
Para Reis Veloso, o Brasil fez opções erradas no passado, sobretudo
por ter deixado de implementar algumas reformas, como a tributária.
“Para tornar o país desenvolvido em duas ou três décadas, é preciso
sonhar e criar uma mobilização por um modelo com grande geração de
empregos”, acrescentou, para alertar: “Se não fizermos essa opção,
seremos a geração perdida”.
O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, acentuou que o planejamento
do desenvolvimento exige sabedoria para enfrentar questões que conectam
os brasileiros ao passado e os ligam ao futuro. E destacou que o Brasil
ainda não é um país desenvolvido por três fatores: por não ter cultura
democrática, por ter demorado na transição para uma sociedade urbana e
industrial e pela inversão na trajetória dos direitos sociais, que, no
Brasil, não acompanharam os direitos políticos.
Qualidade
Durante o evento, o instituto divulgou o mais recente relatório sobre
o Índice de Qualidade de Desenvolvimento (IQD), que avalia vários
indicadores da população. O trabalho constatou que, de 2003 até hoje, o
único índice que mostrou melhora contínua foi o que se refere à
qualidade do bem-estar dos brasileiros. O que, conforme os
pesquisadores, se reflete nas constantes quedas observadas na
desigualdade e na pobreza do país ao longo do período – além de maior
formalização no mercado de trabalho.
O ponto fraco, entretanto, foi o chamado índice de qualidade da
inserção externa, que mostrou um comportamento volátil e ficou, durante a
maior parte do período estudado, em patamar abaixo do registrado pelos
outros índices, levando à observação de que ainda é frágil a inserção
externa da economia brasileira. Segundo o Ipea, a evolução do IQD
permite concluir que a crise econômica global de 2008 interferiu nos
indicadores de desenvolvimento brasileiros, embora estes tenham
apresentado recuperação rápida. Boa parte dessa performance, apontou o
documento, foi conseguida em razão do bom desempenho das reservas
internacionais do país, da massa salarial e da redução da taxa de
desemprego.