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Leonardo Avritzer |
A demissão recente dos ministros da Casa Civil e dos Transportes
envolvidos em escândalos com fortes traços de corrupção, assim como a
tramitação do regime de contratação especial no Congresso Nacional
reabrem um debate da maior importância para a democracia brasileira:
como controlar a corrupção sem comprometer a eficiência do Estado
brasileiro?
Já estão distantes os dias em que a opinião pública enxergava a
corrupção de maneira jocosa expressa no "rouba mas faz". Até 1988, o
Brasil vivia um clima de tolerância à corrupção que, na melhor das
hipóteses era sancionada simbolicamente. Alguém afirmava "lá vai um
corrupto" ou "esse indivíduo está envolvido em corrupção". Essa era a
única maneira de apontar a corrupção. Tínhamos no Brasil a assim chamada
"sanção simbólica da corrupção".
A partir da Constituição de 1988, essa atitude mudou. As novas
atribuições do TCU, a criação da CGU em 2001 e as operações da Polícia
Federal estão entre as ações importantes que ajudam a controlar a
corrupção no Brasil. Sabemos mais sobre os casos de corrupção, alguns
esquemas importantes de corrupção foram interrompidos por operações da
Polícia Federal e, finalmente, podemos dizer que há um risco em ser
corrupto no Brasil, risco esse que não é apenas simbólico. Casos de
corrupção, tais como os dois mencionados acima, aparecem todos os dias
na imprensa, o que não deixa de constituir um avanço nas formas de
controle da corrupção.
Avanços no controle estão ameaçados pela impunidade
Há, no entanto, uma segunda dimensão do fenômeno do combate à
corrupção que merece destaque: a relação entre a baixa criminalização do
fenômeno pelo judiciário e o aumento exponencial de regras impostos
pelo assim chamado sistema "U". Os casos de coibição da corrupção no
Brasil esbarram em um sistema judicial lento, com quatro instâncias e
que trabalha com um conceito absurdo de presunção da inocência. A
condenação em três instâncias é absolutamente inócua no Brasil e não
produz nenhuma consequência jurídica. O foro especial ao qual tem
direito o presidente, os ministros, os senadores e os membros do
Congresso Nacional gera uma balbúrdia jurídica que inviabiliza a maior
parte dos processos. Processos são transferidos dos tribunais de
primeira e segunda instância para Brasília a cada eleição e, a cada
demissão de ministro, voltam para os seus locais de origem.
Ao mesmo
tempo, o Supremo, pela sua característica de Corte constitucional, não
consegue imprimir a esses processos a celeridade desejada. Cria-se um
mecanismo de impunidade que reduz o risco das condenações por práticas
de corrupção. Assim, é possível dizer que há um risco em aderir a
práticas de corrupção no Brasil, mas esse risco ainda é incrivelmente
baixo.
A reação do sistema "U" à falta de punição dos casos de corrupção é o
aumento do controle administrativo. Difunde-se, no âmbito da máquina
administrativa do Estado, formas de controle interno que aumentam o
número de regras existentes para a realização de qualquer atividade. Ao
mesmo tempo, se a punição às práticas corruptas é cada vez mais lenta no
Brasil, a interrupção das atividades do estado na construção de
infra-estrutura é cada vez mais frequente. Estamos assim, naquilo que
denomino o pior dos mundos: não temos o chamado controle criminal da
corrupção, isto é, não temos punição aos atos mais importantes de
apropriação privada dos recursos públicos e temos uma máquina estatal
que não consegue realizar os seus objetivos com eficiência devido a uma
proliferação absurda de regras que minam a pouca eficiência que o setor
público no Brasil tem. Como sair desse impasse?
Uma mudança que pode ser implementada para diminuir o impacto da
impunidade sobre a eficiência do setor público é a introdução dos
contratos de gestão entre órgãos e agências do setor público. Esta
constitui uma maneira de compensar a incapacidade do controle
administrativo de fazer frente à corrupção. Através de contratos de
gestão, o Estado abriria mão do chamado controle administrativo exercido
no varejo por meio de um conjunto de regras pouco claras. Ao mesmo
tempo, órgãos como hospitais públicos, universidades federais, ou até
mesmo os órgãos ligados as obras públicas teriam que assumir
compromissos claros em relação a resultados. Por exemplo, hospitais
poderiam ser administrados a partir de três metas: número de pacientes
atendidos, custo por paciente, índices de mortalidade.
Universidades
poderiam assumir um formato parecido: número de alunos titulados, número
de artigos publicados, custo por aluno titulado. No caso dos controles,
haveria uma forte redução dos controles administrativos restando apenas
os controles mais importantes que levariam, no caso de descumprimento, a
processos criminais e não aos processos administrativos cujas
limitações conhecemos. O importante é que essas metas envolvam aumentos
significativos de produtividade no setor público.
A introdução de contratos de gestão no setor público teria dois
objetivos: o primeiro deles é diminuir o foco do controle
administrativo. O que vemos nos escândalos de corrupção mais
importantes, aqueles que implicam em fortes danos às finanças públicas, é
que órgãos como o TCU e a CGU controlam tudo e, no final, exercem muito
pouco controle efetivo. Falta foco no controle administrativo no Brasil
e ele só pode ser adquirido com uma nova filosofia dos órgãos de
controle. Ao conciliar aumento da produtividade do setor público com um
controle mais seletivo será possível alcançar o que a sociedade
brasileira clama: o aumento do risco de aderir à corrupção que depende
da punição criminal e não do controle administrativo.
Leonardo Avritzer é professor associado do Departamento de
Ciência Política da UFMG e membro do Centro de Referência do Interesse
Público (CRIP).