Por Fernando Exman | De Brasília
Em meio a um despacho rotineiro, na frente de outros assessores e 
ministros, a presidente Dilma Rousseff disparou sem dó para seu 
interlocutor: "Você não me diga que voltou a roer as unhas". O puxão de 
orelha em tom maternal até surpreendeu os presentes. Mas foi uma 
demonstração da proximidade entre Dilma e o alvo de sua interpelação, o 
chefe de gabinete presidencial, Giles Carriconde de Azevedo.
Giles, 50 anos de idade, é o tipo de pessoa que passa despercebida 
pelas ruas de Brasília. Discreto, não ostenta a proximidade que tem com o
 poder. Mas os políticos, empresários e representantes de entidades da 
sociedade civil que pretendem chegar perto da presidente Dilma Rousseff 
sabem muito bem de quem se trata e do acesso que o geólogo gaúcho pode 
lhes garantir à sala mais poderosa da República.
Pela lei, Giles comanda a estrutura que garante a assistência direta à
 presidente, a organização da sua agenda, a gestão das informações em 
apoio à decisão, o cerimonial, a secretaria particular, o acervo 
documental e a sua ajudância-de-ordens. Funcionários do Palácio do 
Planalto, no entanto, resumem: Giles é um "zagueiro" que serve de 
anteparo a Dilma.
É responsabilidade do auxiliar da presidente conversar com quem Dilma
 não receberá em audiências, assim como contextualizar à presidente o 
que foi dito em encontros já realizados e sugerir com quem Dilma deve se
 reunir em viagens aos Estados e que temas deve abordar com esses 
interlocutores. Giles, na avaliação de quem trabalha ou já trabalhou com
 ele, tem a função de um operador político. "A organização da agenda é 
uma questão política. O chefe de gabinete tem que saber como é o 
pensamento político do titular da Pasta e o que é feito pelo governo em 
relação aos mais diversos assuntos", explica uma pessoa próxima a Dilma e
 Giles.
Geólogo de formação, o chefe de gabinete da presidente está à frente 
no governo das discussões de assuntos de seu domínio, como o novo marco 
regulatório da mineração. Giles também participa das reuniões de 
coordenação política do governo, opinando sobre os desafios do Executivo
 e a conjuntura política. "Ele organiza, prioriza e define a agenda da 
presidenta, gerenciando tensões que, na prática, revelam quais são as 
prioridades políticas do governo", comenta um integrante do primeiro 
escalão do governo.
Não é de hoje que Giles, avesso a jornalistas e acostumado a agir nos
 bastidores, é considerado um homem de confiança de Dilma Rousseff. Os 
dois se conhecem desde os tempos em que eram militantes do PDT do Rio 
Grande do Sul. Brizolistas e da ala mais à esquerda do partido, ambos 
faziam parte do grupo liderado pelo ex-marido de Dilma, o ex-deputado 
estadual Carlos Araújo. Naquela época, quando foi secretário estadual e 
nacional da Juventude pedetista, chegou a frequentar a casa de Dilma e 
Araújo.
"Ele [Giles] sempre exerceu funções extremamente importantes e nunca 
criou problemas. Teria condições de se candidatar, mas nunca quis. Nunca
 teve a pretensão, sempre ficou na assessoria política", lembra Carlos 
Araújo.
Pela proximidade, Giles invariavelmente está exposto ao humor da 
chefe. Mas a descontração também está presente na relação dos dois, como
 nas vezes em que Dilma faz questão de caçoar do fato de Giles já ter 
ido quatro vezes passear na Antártida.
Pode-se dizer que Giles "especializou-se" em chefiar gabinetes ao 
longo de sua carreira. Primeiro, exerceu a função para o deputado 
federal Vieira da Cunha (PDT-RS), quando o parlamentar ainda era 
deputado estadual. Na época, coordenou uma derrotada campanha de Vieira 
da Cunha à Prefeitura de Porto Alegre e também foi da assessoria da 
Comissão de Economia da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande 
do Sul, onde destacou-se pela produção de estudos e pareceres para os 
parlamentares. Giles ainda fez carreira no Departamento Nacional de 
Produção Mineral (DNPM), antes de sua trajetória voltar a cruzar com a 
de Dilma.
Após a eleição do pedetista Alceu Collares ao governo gaúcho em 1993,
 Dilma foi nomeada secretária de Energia, Minas e Comunicação. A 
presidente já havia sido da equipe de Collares. Após participar da 
fundação do PDT gaúcho ao lado do ex-marido, Dilma trabalhou na 
assessoria da bancada estadual do partido entre 1980 e 1985. No ano 
seguinte, Alceu Collares, à época prefeito de prefeito de Porto Alegre, 
colocou-a à frente da Secretaria da Fazenda de sua administração.
Alceu Collares nomeou Giles para chefiar seu gabinete, decisão que 
promoveu uma aproximação entre Dilma e seu futuro auxiliar. Como 
resultado, Dilma convidou-o para reforçar a Pasta de Energia, Minas e 
Comunicação. Giles topou, mas decepcionou-se quando percebeu que não 
iria voltar a atuar na sua área de formação, a geologia e mineração. A 
então secretária preferiu colocar o correligionário na presidência da 
Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), onde Giles 
participou do processo de implementação do sistema de distribuição no 
Estado do gás natural adquirido da Bolívia e ajudou o governo a resistir
 a privatizar a estatal.
Dilma e Giles permaneceram na gestão do petista Olívio Dutra. No 
entanto, quando o PDT rompeu com o governo petista, ambos deixaram o 
partido, filiaram-se ao PT e consolidaram a sua parceria profissional. 
Recentemente, na presença de alguns ministros, Dilma e Giles rememoraram
 as articulações que culminaram no afastamento entre petistas e 
pedetistas depois de uma reunião no Palácio da Alvorada. Os petistas 
presentes se divertiram com as histórias, apesar de o episódio ainda 
provocar ressentimentos entre pedetistas.
O geólogo foi recompensado poucos anos depois. Após destacar-se na 
transição dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da 
Silva, Dilma Rousseff foi nomeada em 2003 ministra de Minas e Energia e 
indicou o auxiliar para chefiar a Secretaria de Minas e Metalurgia.
Giles retornou então ao seu campo profissional original, e logo no 
ano seguinte foi beneficiado por um decreto que ampliou os poderes da 
sua secretaria para autorizar a exploração mineral no país. O mesmo ato 
mudou o nome da área chefiada por Giles para Secretaria de Geologia, 
Mineração e Transformação Mineral. No governo, a medida foi vista como 
um símbolo da confiança depositada pela então ministra ao subordinado.
"A relação dos dois é de muito tempo e de muita cumplicidade", 
comenta uma fonte do primeiro escalão do governo. "Eles se entendem pelo
 olhar."
Giles seguiu com a chefe para a Casa Civil quando, em 2005, Dilma 
Rousseff foi convidada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 
substituir José Dirceu em meio ao escândalo do mensalão. Lá, onde chegou
 a ser secretário-executivo-adjunto e por algumas vezes na ausência da 
então ministra assumiu a chefia da Pasta, o geólogo firmou-se como um 
dos principais assessores de Dilma.
Era Giles o responsável pela agenda e a interlocução da chefe da Casa
 Civil com o meio político. Quando Dilma não tratava diretamente com as 
principais lideranças políticas ou governadores, Giles fazia o meio de 
campo. A consequência não poderia ser outra: a importância estratégica 
da função exercida por Giles crescia à medida que Dilma conquistava um 
maior espaço na administração de Lula e se consolidava como potencial 
candidata à Presidência da República. Parlamentares sabiam que atender a
 um telefonema do gaúcho era o mesmo que receber um recado da própria 
Dilma.
Em 2010, Giles foi novamente carregado por Dilma quando a então 
ministra desincompatibilizou-se para disputar a eleição presidencial. 
Responsável pela agenda da candidata, Giles integrou o núcleo da 
coordenação da campanha petista. Não à toa, Giles integrou a lista com 
os primeiros nomes dos indicados por Dilma Rousseff para tocar a 
transição de governos.
Nomeado chefe de gabinete da presidente, Giles está à disposição de 
Dilma em tempo integral, mas não abre mão de buscar os filhos na escola 
nos fins das manhãs. Quem conhece o gaúcho sabe que a atividade é 
considerada "sagrada" e Giles só abre mão de realizá-la se não tiver 
outra opção. Fanático pelo Grêmio, o gaúcho debate futebol com paixão. E
 tem também outra válvula de escape: sempre que pode vai para o mato 
passear de jeep nos arredores de Brasília com sua turma de trilheiros.