Antonio Delfim Netto
A crise que o mundo está vivendo tem aspectos paradoxais. Presta-se a
múltiplas interpretações, cada uma delas colocando, segundo o viés
ideológico do analista, seu foco sobre os diferentes aspectos em que ela
se revela. Os economistas do "mainstream" estão na defensiva por terem
demonstrado "matematicamente" (e até conseguido prêmios Nobel) que os
mercados (em particular o financeiro) eram eficientes e
autoadministráveis. Dispensavam, portanto, a "mão visível" do governo.
Os economistas com viés marxista não deram um passo além da
constatação do velho Karl: os mercados financeiros são essencialmente
instáveis. Pela centésima vez proclamam o rápido fim do capitalismo,
como se ele fosse uma coisa e não um processo histórico com as
"contradições" que o dinamizam e o civilizam lentamente pelo sufrágio
universal.
Os economistas com viés keynesiano hidráulico (incorporado ao
"mainstream") assistiram ao irremediável fracasso dos seus
"multiplicadores". Mecanizaram as sofisticadas considerações
psicológicas do papel das expectativas e a inevitabilidade da incerteza
sobre o futuro opaco. Essas continuaram a ser cultivadas apenas por um
pequeno grupo, expulso da profissão como "heterodoxo".
Americanos parecem ter consciência de quem é a "culpa"
Os economistas do "mainstream" foram, no máximo, apenas coadjuvantes
da crise. Quatro anos depois de instalada, é evidente que sua "causa
eficiente" foi a rendição dos governos à pressão econômica do único
poder universal emergente: os mercados financeiros! Apenas teorizaram "a
posteriori" a luta entre o poder incumbente e o mercado financeiro, que
queria livrar-se do controle que lhe fora imposto nos anos 30 do século
passado (exatamente por ter causado a crise de 1929).
Deram-lhe um suposto apoio científico. Papel coadjuvante, mas
importante para a aceitação, pela sociedade desprevenida, da ideologia
(vendida como ciência) que a desabrida liberdade das "inovações" do
mercado financeiro e sua internacionalização eram fatores decisivos para
o aumento da produtividade da economia real e para o desenvolvimento
econômico dos países.
Hoje, os americanos parecem ter clara consciência de quem é a "culpa"
pela tragédia que estão vivendo. Um levantamento da Gallup (15/16
outubro) mostrou que 2/3 das pessoas consultadas a atribuem ao governo
federal e 1/3 às instituições financeiras. Mas o fato ainda mais grave
(e que coloca em risco a reeleição do presidente Obama) é que a
"qualidade" do programa posto em prática pelo governo de Washington para
enfrentar a crise é considerada lamentável: mais de um US$ 1 trilhão de
estímulos e quase quatro anos depois, o crescimento é pífio e o
desemprego altíssimo. O verdadeiro conhecimento empírico e teórico da
economia poderia ter sido melhor utilizado na formulação do programa,
como mostraram em interessante artigo J.F.Cogan e J.B.Taylor ("Where Did
the Stimulus Go?").
O US$ 1 trilhão de estímulo foi dividido em três programas de
inspiração keynesiana-hidráulica: 1) colocar dinheiro diretamente nas
mãos dos cidadãos (cheques do Tesouro) para que eles o gastassem em
consumo (US$ 152 bilhões); 2) disponibilizar recursos para compras
governamentais e infraestrutura (US$ 862 bilhões); e 3) transferir verba
para Estados e governos locais, na esperança que ampliassem seus gastos
com bens e serviços (US$ 173 bilhões).
Como se deveria esperar, em razão de experiências anteriores e
desenvolvimentos teóricos, eles não produziram qualquer efeito
"multiplicativo" importante, ao contrário do que haviam previsto os
assessores econômicos de Bush e Obama.
A ineficiência do primeiro estímulo é consequência das pesquisas de
Milton Friedman e Franco Modigliani, que mostraram que o consumo está
ligado à renda "permanente" e não a um estímulo ocasional,
frequentemente utilizado para "diminuir as dívidas" dos agentes, que foi
o que aconteceu.
Quanto ao segundo, devido às dificuldades operacionais que sempre
acompanham aumentos inusitados de disponibilidade de recursos no serviço
público (a falta de bons projetos e a indisposição da burocracia,
elementos amplamente conhecidos e empiricamente constatados), não se
gastou até o terceiro trimestre de 2010 mais do que 5% do estimado!
Quanto aos estímulos transferidos para Estados e governos locais,
eles tiveram o mesmo destino dos enviados diretamente aos consumidores:
foram basicamente utilizados na redução de dívidas. De fato, dos US$ 173
bilhões transferidos, 4/5 foram utilizados no pagamento de dívidas
acumuladas, o que praticamente anulou o efeito físico do
"multiplicador". Aqui, também, já havia evidência empírica (Ned
Gramlich, 1979) mostrando a ineficiência desse tipo de programa.
Esses fatos mostram o quanto de "ilusão" estatística está envolvida
no cálculo descuidado e ingênuo dos "multiplicadores" ditos
"keynesianos", quando se esquece o próprio Keynes. Se na prevenção da
crise e na sua construção podemos criticar o "mainstream", parece que
lhe devemos um crédito na crítica do horrível projeto de recuperação de
inspiração do "keynesianismo-hidráulico" que desperdiçou US$ 1
trilhão...
Comentário do Blog.
O que está faltando na análise do Delfim Neto tem sido, sem dúvida, uma variável fundamental, quase sempre esquecida pelos economistas do Governo que pensavam que a questão da educação, a capacitação e o fortalecimento do capital social, seria uma consquencia, um resultado natural do crescimento econômnico e não ao contrário.
A educação, capacitação e desenvolvimento do capital social é fator fundamental para alcançar o crerscimento e o mais importante, o desenvolvimento. Mas se tratando do Delfim, economista cartesiano é difícil fazer ele entender como é importante a questão da educação no desenvolvimento econômico.
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