Política monetária: Primeira reunião sob o comando de Tombini deve iniciar alta da Selic
Fernando Travaglini
VALOR
De Brasília
Houve uma piora considerável no cenário inflacionário e nas
expectativas dos agentes nas últimas semanas, o que amplia o peso da
decisão que será tomada na primeira reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom), nesta quarta-feira, sob o comando do presidente do
Banco Central (BC), Alexandre Tombini. O relatório Focus desta semana já
aponta um IPCA de 5,42% este ano, percentual muito acima da meta de
4,5% e superior também à estimativa de inflação de 5% feita pelo
Ministério da Fazenda.
Há consenso no mercado que o BC deve anunciar amanhã uma alta de 0,5
ponto percentual na Selic, elevando a taxa básica para 11,25% ao ano. Os
economistas e analistas que respondem semanalmente o Focus acreditam
ainda em outros dois aumentos de 0,5 ponto, nos encontros de março e
abril, o que levaria a Selic para 12,25% ao ano já no segundo trimestre.
Paralelamente à deterioração das expectativas de inflação, cresce o
número de economistas que já defendem um aperto maior, de até 2,75
pontos ao longo do ano, como é o caso de Nilson Teixeira, do Credit
Suisse. A curva de juros futuros, que responde mais rapidamente aos
dados conjunturais, já projeta um aperto monetário maior, com alta de
0,75 em março.
O que era, a princípio, uma inflação localizada, decorrente do choque
de ofertas vindo da alta dos preços de commodities internacionais,
especialmente em alimentos, ganhou corpo nas últimas semanas. Os
economistas de mercado, e até a autoridade monetária – como ficou claro
no último Relatório de Inflação- já defendem uma alta dos juros para
impedir os chamados efeitos de segunda ordem, ou seja, a disseminação
desse choque para os demais preços da economia.
Essa não é, porém, uma visão consensual no governo. A Fazenda avalia
que as pressões inflacionárias estão restritas às commodities, sobretudo
alimentos, que devem recuar no primeiro semestre. Essa foi a
interpretação que o ministro Guido Mantega levou à primeira reunião
ministerial do governo, na semana passada. E é, também, a que a
presidente da República, Dilma Rousseff, acredita que esteja ocorrendo.
Já o BC vê um movimento generalizado de alta.
Os primeiros indicadores de inflação de janeiro mostram que o ritmo
de desaceleração dos preços da alimentação é mais lento do que o
esperado pelo mercado. Os dados do IGP-10 divulgados ontem são
consistentes com a trajetória recente de alta das commodities nos
últimos meses e da menor oferta de produtos, afirma Eduardo Velho,
economista-chefe da Prosper Corretora. Ele lembra que os dados que serão
divulgados nesta semana devem incorporar os reajustes de educação e de
transportes, além de um choque climático que já estaria pressionando a
os alimentos in-natura no Sudeste.
Choque de preços, na ausência de demanda aquecida, se dissipam de
forma rápida, sem causar contaminação em outros segmentos. Mas esse não é
o caso brasileiro. A demanda doméstica, que deve ter superado os 10% de
crescimento no ano passado, se confronta com uma consistente redução da
ociosidade do mercado de fatores (utilização da capacidade instalada e
elevação dos empregos). Além disso, a inflação de serviços já superou os
7% no fim do ano passado.
Como resume o Departamento Econômico do Bradesco, “os riscos são
ampliados em economias que já estão aquecidas, principalmente
emergentes, aumentando o potencial de contágio para os preços
domésticos”, diz o banco, em relatório.
A identificação de efeitos de segunda ordem é reforçada pela
aceleração dos núcleos de inflação, que subiram no último trimestre e se
distanciaram da meta de inflação. A média dos núcleos acumulou variação
de 5,3% em 2010.
Para a economista do Itaú Unibanco, Laura Haralyi, o núcleo do IPCA,
que exclui alimentos no domicílio e combustíveis, deve fechar 2011 em
6%, com o índice cheio do recuando para 5,6%, ainda elevado, mesmo com
menor pressão dos alimentos.
O comportamento do dólar é outra variável que voltou para a mesa de
discussão. Com a guerra declarada do governo à valorização do real, a
contribuição cambial para o controle da inflação, que ajudou o BC ao
longo dos últimos anos, deve se reduzir.
Como lembra o diretor do Bradesco, Octavio de Barros, o câmbio
poderia ser uma válvula de escape para conter as pressões em dólares de
preços de commodities, mas os últimos sinais emitidos pelas autoridades
brasileiras em relação ao câmbio sugerem que a eventual contribuição da
apreciação adicional do real não deve se materializar. “Parece
pacificado que o governo abrirá mão do instrumento câmbio no auxílio do
combate à inflação”, disse Barros, em relatório.
A gestão de Tombini declarou o câmbio como o inimigo nº 1 e subir
juros intensificaria a valorização do real, diz o economista Ricardo
Denadai, da Santander Asset Management. “O Copom vai fazer menos do que
precisa e deve tomar medidas adicionais no campo regulatório, com vias a
encarecer o crédito.” Mexer no prazo dos financiamentos ou aumentar o
IOF para contratos de consumo poderiam fazer parte da artilharia extra.
O
especialista também acredita que o governo, que usou os bancos públicos
federais para suprir a escassez de crédito na época da crise, pode
adotar o caminho inverso, porque mesmo com um esforço fiscal razoável, o
risco de a inflação desviar da meta é bastante concreto.
(Colaborou
Adriana Cotias)