segunda-feira, 25 de abril de 2011

Brasil, um país de poucos

Há anos não viajava para o destino escolhido no feriado que passou, no litoral norte de São Paulo.

A paisagem é totalmente outra em relação à última vez: novas lojas, muitas com ar condicionado, supermercados grandes e modernos e muita, muita gente.
Há muito tempo também não pegava uma estrada, dirigindo, no Brasil.

O tráfego está horrível. Quando podem, os carros voam. Os motoristas são mal educados e absurdamente imprudentes. Quanto maior e mais potente o veículo, maior também a audácia.

A ascensão da classe C no Brasil vem expondo no cotidiano das cidades e de locais antes tranquilos a saturação. E a tremenda falta de senso do coletivo que existe no Brasil.

Os que ultrapassam nas faixas contínuas a 150 km por hora, que param seus carros em qualquer lugar sem se importar com o ir e vir dos demais ou que abrem porta-malas para despejar músicas altas são a face mais visível dessa doença, bem brasileira.

O que se vê é a apropriação privada de locais públicos. Seja por famílias porcalhonas na praia e motoristas que trafegam impunes pelos acostamentos nas rodovias à evidente ocupação ilegal, pela antiga e nova classes média e C, de encostas e áreas de preservação.

É o mesmo fenômeno que entope o trânsito nas cidades. Falta infraestrutura, assim como falta educação e civilidade no Brasil emergente.

Há algumas décadas, os ricos e bem de vida optaram por se fechar em condomínios. Esperavam fugir da violência, da pobreza e do "povão", que pouco os incomodava nas férias ou feriados, imobilizados pela falta de recursos.

A classe dominante, endinheirada mas não necessariamente civilizada, também desfrutava de mais exclusividade. Podia se esbaldar com seus jet skis, voar em carros por estradas mais vazias e construir como quisesse à beira mar.
O quadro mudou. Hoje, há cada vez mais brasileiros competindo por aeroportos, estradas, praias, pousadas, restaurantes.

É ótimo que seja assim, e que se cobre mais infraestrutura a partir de nossos impostos.

Mas, nesse novo contexto, a classe emergente só replica o comportamento da antiga minoria.

É cada um por si. Nisso o Brasil não mudou.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha.com.




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