A duas semanas de assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia, o
senador Aloizio Mercadante (PT-SP) levou ontem a retórica do palanque
para a academia.
Ele voltou à Unicamp após 12 anos para concluir o doutorado em economia
com uma tese sobre o governo Lula. Saiu com o título, mas foi
repreendido pelos examinadores por exagerar nos elogios ao presidente.
Mercadante é convidado e aceita Ciência e Tecnologia
Em tom de campanha, o petista anunciou o nascimento do "novo
desenvolvimentismo" --um modelo baseado em crescimento e distribuição de
renda.
Com cinco livros de sua autoria sobre a mesa, ele resumiu a tese, de 519
páginas, em frases quase sempre na primeira pessoa do plural.
"Superamos a visão do Estado mínimo"; "Não nos rendemos à tradição
populista"; "Retiramos 28 milhões da pobreza"; "Melhoramos muito o
atendimento na saúde", pontificou, em momentos diferentes da
apresentação.
Empolgado, o senador ignorou o limite de meia hora e usou o microfone
por 50 minutos. Dedicou boa parte do tempo ao repertório da Era FHC, com
ataques ao neoliberalismo e ao Fundo Monetário Internacional.
Num flashback do horário eleitoral, chegou a criticar o preço dos
pedágios em São Paulo, bandeira que não foi capaz de evitar sua segunda
derrota seguida na disputa pelo governo do Estado.
Coube ao ex-ministro Delfim Netto, professor titular da USP, a tarefa de dar o primeiro freio à pregação petista.
"Esse negócio de que o Fernando Henrique usou o Consenso de
Washington... não usou coisa nenhuma!, disse, arrancando gargalhadas.
"Ele sabia era que 30% dos problemas são insolúveis, e 70% o tempo
resolve."
Irônico, Delfim evocou o cenário internacional favorável para sustentar
que o bolo lulista não cresceu apenas por vontade do presidente.
"Com o Lula você exagera um pouco, mas é a sua função", disse. "O nível
do mar subiu e o navio subiu junto. De vez em quando, o governo pensa
que foi ele quem elevou o nível do mar..."
"O Lula teve uma sorte danada. Ele sabe, e isso não tira os seus
méritos", concordou João Manuel Cardoso de Mello (Unicamp), que reclamou
de "barbeiragens no câmbio" e definiu o Fome Zero como "um desastre".
À medida que o doutorando rebatia as críticas, a discussão se afastava
mais da metodologia da pesquisa, tornando-se um julgamento de prós e
contras do governo.
Só Luiz Carlos Bresser Pereira (USP) arriscou um reparo à falta de
academicismo da tese: "Aloizio, você resolveu não discutir teoria...".
Ricardo Abramovay (USP) observou que o autor "exagera muito" ao comparar Lula aos antecessores.
"Não vejo problema em ser um trabalho de combate", disse. "Mas você
acredita que o país estaria melhor se as telecomunicações não tivessem
sido privatizadas?"
A deixa serviu para que Mercadante retomasse o tema do pedágio.
A tese pareceu agradar a maior parte das 300 espectadores, que se
dividiram entre o auditório lotado e um telão do lado de fora. Mas
também despertou algumas críticas.
"Achei bom, mas ele é muito militante, né? Parece que a campanha não
acabou...", comentou o vestibulando Mateus Guzzo, 18, que disse votar no
PSOL.
"Essa ideia de que o pesquisador tem que dissociar a paixão da
racionalidade é uma visão superada pela neurociência", defendeu-se
Mercadante, na saída.
Reverenciada pelo senador, a economista Maria da Conceição Tavares (UFRJ e Unicamp) não pôde ir, mas enviou bilhete elogioso.
Nascida em Portugal, ela poderia ter corrigido o "discípulo e aluno
dileto" quando ele, ao exaltar a política externa de Lula, disse que
"não houve indicação de embaixador político neste governo".
Em 2003, o presidente entregou a representação em Lisboa ao ex-deputado
Paes de Andrade
(PMDB-CE), que estava sem mandato. O ex-presidente
Itamar Franco também chefiou diplomatas em Roma, antes de romper
relações com o PT.