sábado, 13 de agosto de 2011

Esforço pela biodiversidade pode favorecer as comunidades locais


O declínio da biodiversidade é consequência da baixa valorização da matéria-prima extraída da natureza. Manoel Cunha, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CSN), conhece bem essa situação.

"O grileiro chega e oferece um valor irrisório pela floresta; como o caboclo em geral está insatisfeito com o que apura no trabalho, ele aceita qualquer oferta e se muda para a cidade grande, imaginando que terá uma vida melhor. Todo mundo sabe como termina essa história". Cunha falou durante o painel que tratava de biodiversidade, na Conferência Ethos.

Encontrar valores econômicos que contemplem a sobrevivência das populações extrativistas e representem vantagem para investidores são os desafios. Segundo Cunha, a questão só será resolvida a partir de um modelo de política pública favorável aos dois lados. E a transformação deve ser radical. "Até início dos anos 1990 o governo incentivava o desmatamento. Quem não desmatava não conseguia crédito."

As consequências estão aí: "Não tivemos tempo nem oportunidade de formar técnicos para lidar com a biodiversidade."

"O extrativista é um caboclo que depende não só de políticas públicas, mas precisa de orientações técnicas diferenciadas sobre como lidar com as culturas; precisa aprender a tratar com mercados diferenciados e obter compensações para desenvolver uma atividade em harmonia com o meio ambiente."

Mesmo com tantas carências, Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônica do WWF, demonstrou otimismo durante sua participação no painel. "Somos o país que mais reduziu emissões de carbono associadas a desmatamento", disse. "Apesar de recente, esse histórico é muito positivo."

Esse histórico leva Maretti a prever desmatamento zero até 2020. Para tanto ele enumera providências básicas e urgentes: investimento no desenvolvimento do valor econômico da floresta e dos ecossistemas, mecanismos de compensação para quem não desmata (item que o Código Florestal não prevê), além da valorização dos ativos da floresta. "O modelo que temos hoje é contra a biodiversidade", alerta Maretti.

Embora nas duas últimas décadas o governo federal tenha reduzido em 40% o desmatamento na Amazônia, a partir de fiscalização e criação de áreas protegidas, Luciano Penido, mediador do painel, acredita que ainda há muito por fazer.

É imprescindível, na opinião dele, promover a integração das fronteiras com os países amazônicos. "O momento é propício", diz ele. "Como já temos georreferência, precisamos também de um cadastro ambiental rural - transparente e à disposição de toda a sociedade". Segundo Penido, grandes proprietários e empresas devem arcar com esse custo. "O cadastro ambiental é fundamental para a preservação da diversidade e nem é tão caro."

Manoel Cunha citou o Fundo Médio Juruá, parceria entre a comunidade de Carauari e a Natura como um exemplo de melhoria do processo coletivo. "Os investimentos melhoraram a produção, o beneficiamento e a distribuição", conta Cunha. "Antes disso passávamos três horas caminhando até chegar à área de produção; hoje temos um rabete, que nos leva à área de produção em uma hora, o que aumentou a produção de forma sustentável. Mas precisamos de mais empresas que queiram fazer negociação saudável na Amazônia, em que o investidor ganha e o caboclo, também", disse.

A população extrativista de Carauari envolve 200 mil famílias. "Estamos mais felizes do que há dez anos", diz. "Antes éramos classificados como doidos defendendo a floresta. Hoje, o sofrimento geral que veio com os efeitos das mudanças climáticas mobilizou a sociedade para uma economia verde". Cunha continua: "Nos últimos dez anos caminhamos o que não caminhamos em 100 anos".

Há muito a se fazer ainda, na opinião de Rodolfo Gutilla, diretor de assuntos corporativos e relações governamentais da Natura. Gutilla ficou entusiasmado com a revelação de Bráulio Ferreira Dias, secretário de biodiversidade e florestas do Ministério do Meio Ambiente, que reconheceu que a legislação brasileira está a merecer um item específico que contemple o acesso das empresas ao patrimônio genético. "Como explicar aos acionistas que o governo leva 17 meses para aprovar uma autorização de acesso ao cacau, ou à andiroba?", questionou.
Tanto o governo como as empresas deveriam olhar a biodiversidade como uma oportunidade de negócio, segundo Maretti, do WWF. "Ainda que a sociedade grite contra o desmatamento, por enquanto estamos apenas reduzindo o prejuízo", diz. E citou um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que mostra a necessidade de o Brasil investir US$ 40 bilhões ao ano para conservar as florestas. "Perdemos cem vezes mais com o desmatamento."
Silvia Torikachvili | Para o Valor, de São Paulo
12/08/2011

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