Muito se contradisse o negociador-chefe do Brasil para a Rio+20,
embaixador André Corrêa do Lago, ao responder às excelentes perguntas da
repórter especial do
Valor Daniela Chiaretti (16/2, p.
A13). Ele ressaltou que há 20 anos ninguém podia imaginar que a
Convenção do Clima se tornaria a principal negociação econômica no
mundo. Mesmo assim, rechaçou a hipótese de que a cúpula de junho tenha
ênfase ambiental. Pior: serviu-se da conhecida parábola dos "três
pilares" contra o terceiro princípio da Declaração do Rio: o de equidade
entre necessidades desenvolvimentistas e ambientais.
Se ele mesmo diz que um tema eminentemente ambiental, como é a
questão climática, acabou por gerar a principal negociação econômica do
mundo, não deveria ao menos enxergar vasos comunicantes entre supostos
"três pilares"?
Quando John Elkington lançou essa metáfora para sensibilizar
executivos de multinacionais, ele se referia a lucro, gente e planeta,
termos que em sua língua começam pela letra "p": "profit", "people" e
"planet" (ver resenha do clássico de Elkington no
Valor
de 27/09/2011, p. D10). Não tinha como imaginar que, quinze anos
depois, seu insight seria usado para se vender a ladainha de que as
sociedades se apoiariam em três pilares distanciados e paralelos.
País deveria defender igualdade na cúpula voltada a "repensar o
desenvolvimento" do mundo
Muito antes da emergência do ideal da sustentabilidade, já se
mostrava impossível separar o econômico do social e vice-versa. Além
disso, quando se evoca o processo de desenvolvimento, não é possível
ignorar a importância crucial de ao menos três outras esferas: política,
cultural e psicológica. Boa pedagogia faz com que sejam evitadas em
treinamentos empresariais, já que seu objeto não é o conjunto da
sociedade.
E se o truque for rebater tal crítica com a chicana de que
todas as outras esferas seriam partes da dimensão social, então fica
muito mais grave o problema da conexão que a economia mantém com a
biosfera (ambiente), ambas reagindo a uma incomensurável imensidão que
seria o "social". Enfim, por ser todo o alicerce do desenvolvimento
humano, o ambiente não pode ser retoricamente rebaixado a mero fator de
um trinômio.
Mesmo supondo-se que as dimensões do desenvolvimento sustentável
pudessem ser reduzidas aos três pilares dos negócios, eles não seriam
assimiláveis a pilotis de um prédio. Nesse reducionismo, a metáfora
precisaria realçar o caráter poroso das intersecções. Afinal, os
supostos "pilares" da sociedade são atravessados por fluxos que
permanentemente se misturam. Uma osmose que torna a integração dos
vetores de desenvolvimento o nó górdio do processo.
Ora, é exatamente essa integração que deveria demover o Brasil de
assumir na preparação da Rio+20 o positivismo dos "três pilares".
Essencialmente porque é o combate às desigualdades - tanto entre as
nações (eufemisticamente chamadas de "assimetrias"), quanto nacionais
(principalmente, mas não apenas de renda) - que dá a liga do
desenvolvimento sustentável, seja quantos forem seus imaginários
"pilares". Como as mais cruciais desigualdades são reproduzidas antes de
tudo por razões ideológicas, o Brasil não deveria enfiar essa viola no
saco.
Mas há outra revelação igualmente chocante na entrevista de nosso
"sherpa": explícita afinidade com comportamento dos EUA, em
contraposição ao da Europa, alvo de sistemática e repetida
desqualificação.
Não é razoável que, quatro meses antes da abertura de tão relevante
conferência, o governo anfitrião se mostre alinhado a algum dos polos,
por mais direito que tenha em discordar de outros. Ainda mais
deplorável, neste caso, é se aceitar que o tema da "governança
internacional do desenvolvimento sustentável" se restrinja ao conflito
norte-transatlântico sobre a eventual criação de mais uma agência
especializada da ONU (a 16ª!) e de uma reforma de seu Conselho Econômico
Social (Ecosoc).
Falando sério: poderá haver governança do desenvolvimento sustentável
se ela não for assumida pelo G-20 (que inclui o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial)? Sem isso, será que ela poderia chegar à
OMC e a poderosas instâncias do sistema das Nações Unidas que não
respondem ao Ecosoc? Ou será que o desenvolvimento sustentável seria
capaz de adquirir governança global sem engajamento da Corte
Internacional de Justiça e, sobretudo, dos órgãos subsidiários do
Conselho de Segurança?
Com certeza no final de junho sairá do Rio algum tipo de "upgrade" da
sustentabilidade na hierarquia da ONU. Mas isso será, na melhor das
hipóteses, um modestíssimo avanço na direção de sua efetiva governança
global. Em tais circunstâncias, seria bem melhor se o Brasil
aproveitasse a incomparável oportunidade histórica de ser o anfitrião de
uma cúpula voltada a "repensar o desenvolvimento do mundo" (sic), para
reerguer a bandeira branca da igualdade, em vez de se deixar levar a
reboque em disputas sobre Ecosoc e programa ambiental (Pnuma). Mais: se
mantivesse a altivez de não aderir ao polo que mais tem resistido à
bandeira da sustentabilidade, nem rejeitar justamente o polo que mais se
mostra disposto a levá-la a sério.
José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação
do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto
de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Escreve mensalmente às terças e
excepcionalmente nesta quinta.