quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O big bang da bioindústria

Pergunte a Bill Gates qual ramo da atividade humana abriga o embrião da próxima grande revolução tecnológica. Esqueça a internet, os celulares, os games, a realidade ou a inteligência virtuais. A resposta é a biotecnologia. O fundador da Microsoft acredita que esse campo desempenha na atualidade papel semelhante ao exercido pela programação de computadores no século 20.

Ou seja, concentra o que há de mais instigante e potencialmente transformador no planeta. E o executivo, entre os mais bem-sucedidos da história do capitalismo, argumenta: “Hoje, se alguém quer mudar o mundo de forma radical, deve começar pelas moléculas. Elas precisam do mesmo tipo de fanatismo amalucado, característico dos jovens gênios que criaram a indústria dos PCs”. Agora, pergunte a gigantes globais como DuPont, BP, Basf, Shell, Monsanto, Bunge, Dow Chemical, Ely Lilly e Novozymes, além de fundos de investimento, como Burrill & Company e Khosla Ventures, qual país reúne condições excepcionais para abrigar parte expressiva dessa nova fonte de inovações. A resposta é o Brasil.

Tal indicação pode soar surpreendente, mas existem mais de 100 companhias brasileiras de biotecnologia. A cada ano, mais de uma dezena de empreendimentos desse tipo são criados. Não há estudos conclusivos, mas o governo federal estima que essa área receba US$ 1 bilhão em investimentos por ano. Além de crescente, esse núcleo de empresas introduz novidades significativas no cenário corporativo nacional. Em primeiro lugar, entrelaça os mundos da ciência e dos negócios. Dessa fusão, movida por altas doses de pesquisa e conduzida por times qualificadíssimos de profissionais, tendem a proliferar inovações em profusão. Ela funciona como um propulsor, uma espécie de Big Bang para ideias e produtos inusitados. Exemplos desse poder criativo são oferecidos há décadas de maneira ininterrupta pelas indústrias de semicondutores, telecomunicações (celulares, por exemplo), eletrônicos e materiais avançados. Todas com os pés firmemente fincados em laboratórios.

A vocação das bioempresas brasileiras abrange a medicina e o agronegócio, o que também inclui a produção de etanol

Paralelamente, a formação das bioempresas no Brasil alimenta – e fortalece – um ecossistema de negócios riquíssimo, embora ainda frágil no país. Funciona assim: tudo começa nas universidades. Elas abrigam incubadoras, onde são embaladas as jovens empresas ( as start ups) que, não raramente, amadurecem e se associam a grandes conglomerados nacionais e internacionais. Esse sistema é complementado por uma ampla teia de financiamentos formada por angel investors (investidores anjos, normalmente pessoas físicas) e venture capitalists (investidores de risco), além de fundos públicos e privados de todos os portes. “Esse modelo, que tem todos os ingredientes para estimular o empreendedorismo, fundou o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Agora, começa a ganhar corpo entre nós”, diz Eduardo Emrich Soares, presidente da Fundação Biominas, uma organização não governamental com sede em Belo Horizonte, voltada para o fomento de negócios enraizados nas ciências biológicas.

Neste ponto, é ilustrativo observar a gênese da empresa paulista Pele Nova. Ela foi criada em 2003 por dois cientistas: a médica oncologista Fátima Mrué e o médico especializado em bioquímica Joaquim Coutinho Netto. Ambos trabalhavam como pesquisadores na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), no campus da USP, no interior paulista. A dupla desenvolveu um produto, o BioCure, feito do látex extraído da seringueira. A inovação, uma membrana de borracha, funciona como um tecido artificial. É empregado com sucesso na cicatrização de úlceras crônicas e na regeneração de esôfagos e tímpanos perfurados. Atualmente, a mesma matéria-prima (o látex) está sendo testada no desenvolvimento de um gel antirrugas. Qual o resultado da iniciativa? A Pele Nova acumula sete patentes depositadas no Brasil, Estados Unidos, Europa e Japão.

A arquitetura financeira da empresa é outro fator de interesse. Inicialmente, arrecadou R$ 4 milhões. Parte do valor foi captada com investidores anjos. Entre eles, Ozires Silva, o ex-presidente da Embraer e da Varig. Outro quinhão saiu de um fundo semente (seed capital), o Returning Entrepreneur Investment Fund, conhecido pela sigla REIF, da DGV Investment. Também aplicaram recursos no negócio outras três empresas de venture capital. A Pele Nova arrecadou mais R$ 2 milhões do Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime), mantido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Por conta de acordos de confidencialidade, a start up não divulga o faturamento, mas estima-se que gire em torno de R$ 3 milhões.

Por Carlos Rydlewski, Rafael Barifouse e Alessandro Greco com reportagem de Karla Spotorno 

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