Como explicar que um dirigente de
estatal que ocupava o cargo de secretário de Estado de Fazenda, com
doutorado em Economia defendendo tese em Dívida Pública, afirme em
depoimento que na sua gestão não havia no Estado ninguém qualificado e
capaz de analisar essa mesma dívida pública e equacioná-la junto à União
-e que, por essa razão, contratou por R$ 27 milhões uma consultoria de
fora do Estado para realizar o trabalho?
Pois foram essas as justificativas
utilizadas por José Raimundo Trindade, ex-secretário de Estado de
Fazenda do governo Ana Júlia, para o convênio com a Assets Consultoria,
durante depoimento tomado no último dia 25 de janeiro dentro do
procedimento administrativo-disciplinar instaurado na Corregedoria da
Secretaria de Estado da Fazenda (SEFA) para apurar o caso.
A oitiva de Trindade, que ficou no cargo
entre janeiro de 2007 a outubro de 2009, ocorreu juntamente com o
também ex-secretário Vando Vidal e outros dois servidores da secretaria,
e foi acompanhado pelo promotor de Direitos Constitucionais Nelson
Medrado, que substituía o promotor Domingos Sávio, em férias, e que
também instaurou procedimento no MP para apurar o caso. “Resta saber se o
próprio secretário se incluiu no rol de pessoas desqualificadas para
auditar a dívida pública do Estado, logo ele que tem doutorado”,
ironizou o promotor.
Com os mais de R$ 27 milhões pagos a
título de consultoria para a Assets. Medrado diz que seria possível
qualificar centenas de servidores para realizar o trabalho de análise da
dívida pública. O ex-secretário Vando Vidal, que sucedeu Trindade na
SEFA e em cuja gestão foram realizados os pagamentos, chegou a dizer em
depoimento que a contratação milionária da empresa mineira era
necessária para “defender e proteger o povo do Pará da União”.
“Foi insinuado que a União exacerba nas
suas cobranças e que toda hora o Estado precisa estar se defendendo.
Acho um absurdo um chefe do tesouro estadual acusar a União de cobranças
extorsivas a ponto do Estado ter que contratar uma assessoria externa
para rever essas cobranças. Para mim isso é improbidade administrativa:
um secretário que contrata empresa privada para prestar assessoria ao
invés de qualificar servidores que possam prestar esse serviço de forma
permanente. Isso é má aplicação de recurso público”. No depoimento,
Trindade também insinuou que todo o episódio envolvendo a contratação da
Assets é uma questão política.
O único serviço comprovado feito pela
Assets e que consta nos arquivos da Sefa foi uma petição apresentada
pela empresa solicitando que o Estado reconhecesse a prescrição de um
débito previdenciário que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já
havia reduzido de 20 para 10 anos. O fato é que a Assets foi contratada
para fazer um trabalho que qualquer contador ou analista da Secretaria
da Fazenda (Sefa) poderia executar sem custo algum para os cofres
públicos.
Entretanto, Vando Vidal afirmou em seu
depoimento que a Assets emitiu 49 ofícios e documentos que comprovam sua
atividade. “Todos os quatro ouvidos afirmaram que outros relatórios da
empresa foram apresentados e que estariam no setor responsável dentro da
secretaria”. Além de Trindade e Vidal foram ouvidos José Carlos do
Santos Damasceno, ex-secretário adjunto do Tesouro da Fazenda; e o
fiscal de tributos Antônio Lúcio Cardoso Cristo.
Em resposta ao DIÁRIO quando do
surgimento da denúncia ano passado, o ex-secretário José Raimundo
Trindade chegou a afirmar que em 2010 não era mais secretário e que no
período em que exerceu a função não assinou o contrato com a empresa
Assets. Todos os depoimentos prestados na comissão da SEFA foram
anexados ao procedimento do MP.
OUTRAS SUSPEITAS
Além do caso Assets investigado pelo
promotor Domingos Sávio, existem outras duas investigações no âmbito da
Promotoria referente ao governo Ana Júlia: o do polêmico empréstimo
“366” contraído junto ao BNDES a cargo do promotor Firmino Matos; e do
Consórcio Sanear (Ampliação do ETA Bolonha), a cargo de Nelson Medrado.
Medrado conta que ao analisar os casos
junto com seus colegas, notaram que os pagamentos desses contratos foram
feitos mais ou menos na mesma época (início do segundo semestre de
2010) e suspeitaram que o recurso pudesse ter saído do dinheiro liberado
pelo BNDES, também liberado no mesmo período. “Perguntamos à Auditoria
Geral do Estado, que descobriu que parte dos recursos pagos à Assets e
do Consórcio Sanear realmente foram pagos com o dinheiro desse
empréstimo”, revela.
O pagamento para o Consórcio Sanear
(empresas Egesa, Paulitec, Construbase e CR Empreendimentos) teve a
justificativa de “reequilíbrio econômico-financeiro do contrato” no
valor de R$ 10.889.000 em 19 de outubro de 2010, entre o primeiro e
segundo turno da última eleição para o governo. “Estamos apurando que
reequilíbrio é esse, já que o projeto estava totalmente parado e já
havia ocorrido nesse contrato um aditivo de R$ 16 milhões em dezembro de
2009”.
Medrado lembra que uma das regras
básicas é que o dinheiro de empréstimo deveria ser aplicado apenas em
investimentos em obras e não em custeio ou reequilíbrio financeiro de
contratos. A Assets, segundo o MP, teria recebido R$ 6 milhões do
empréstimo do BNDES.
ENTENDA O CASO
O contrato 002/2009 foi assinado pelo
então titular da SEFA José Raimundo trindade em janeiro de 2009, na
modalidade de inexigibilidade de Licitação e tinha como objeto “a
contratação de empresa para prestação de serviços técnicos de
consultoria na área financeira e contábil para execução do Programa de
Revisão de Dívidas Públicas – REDIP”.
A consultoria teria que identificar
passivos vencidos da dívida pública do Estado. Essa dívida era na esfera
previdenciária e estava em sua quase a totalidade caduca, ou seja,
prescrita, o que torna o caso ainda mais nebuloso;
A empresa ficava com R$ 0,14 de cada
real arrecadado (ou 14% do total de créditos recuperados), totalizando
os mais de R$ 27 milhões pagos pela Sefa;
O substituto de Trindade, Vando Vidal, reativou o contrato em julho de 2010. De acordo com Josué Antônio Azevedo Monteiro, ex-diretor de Administração da Sefa, dois meses depois a empresa privada recebeu R$ 2,2 milhões;
O substituto de Trindade, Vando Vidal, reativou o contrato em julho de 2010. De acordo com Josué Antônio Azevedo Monteiro, ex-diretor de Administração da Sefa, dois meses depois a empresa privada recebeu R$ 2,2 milhões;
A partir daí foram feitos mais cinco
repasses: dia 25 de agosto (R$ 3,7 milhões), 27 de setembro (R$ 6
milhões), 22 de outubro (R$ 10 milhões), 23 de novembro (R$ 4,384
milhões) e 16 de dezembro (R$ 1,041 milhão), totalizando os R$ 27,3
milhões previstos.
Entre 27 de setembro e 22 de outubro de
2010, datas anteriores a 3 de outubro e 31 de outubro, quando ocorreram
as eleições majoritárias para o governo em primeiro e segundo turno,
respectivamente, a Assets recebeu R$ 16 milhões do contrato com a Sefa, o
que representa 58% do total previsto no contrato.
Somando aos R$ 5,9 milhões repassados
nos meses de julho e agosto, a Assets recebeu até o dia 22 de outubro,
nove dias antes da eleição em segundo turno, R$ 21,9 milhões, ou mais de
80% do total a que teria direito contratualmente.
O Sindifisco, à época, mostrou que o
contrato, celebrado depois de decretada a inexigibilidade do processo
licitatório era leonino e predatório aos interesses e às finanças do
Estado. (Diário do Pará)
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