Secretário de Estado e Assessor de Segurança Nacional de dois
presidentes (Richard Nixon e Gerald Ford, 1969-1977), o cientista
político Henry Kissinger foi o principal arquiteto da aproximação entre
os Estados Unidos e a China comunista, como uma maneira de pressionar a
União Soviética, contra a qual os dois países tinham interesses comuns.
Em seu livro mais recente, Sobre a China,
Kissinger conta os bastidores dessa diplomacia triangular e procura
traçar o panorama da história das relações internacionais chineses do
século XIX aos dias atuais. Contudo, o resultado é decepcionante, pois
Kissinger está preso a um formato de reflexão intelectual que leva em
conta somente as intenções dos principais líderes políticos e dá pouca
ou nenhuma atenção às grandes transformações das sociedades, ao
desenvolvimento econômico e a temas como democracia e direitos humanos.
As primeiras 200 páginas do livro são dedicadas à análise histórica
do período de declínio da China, com as guerras do Ópio, as concessões
feitas às potências ocidentais, ao Japão e à Rússia e, finalmente, o
turbulento período da primeira metade do século XX, com o colapso do
império, a proclamação da República, a ocupação japonesa, a guerra civil
entre nacionalistas e comunistas e a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung
na década de 1960. É uma história fascinante, mas foi narrada e
analisada de modo mais competente do que aquele feito por Kissinger por
autores como o historiador britânico Jonathan Spence, em seu Em busca da China moderna, e o economista italiano Giovanni Arrighi em Adam Smith em Pequim.
O foco de Kissinger é no modo como o imperador e os principais
mandarins (altos funcionários) da China precisaram abandonar a ideia de
que eram o centro das relações internacionais e se inserir no sistema de
Estados liderados pelas potêncas ocidentais. Esse processo ocorreu pela
força e, após derrotas em guerras para os britânicos, os chineses
“convidaram outros países europeus [a estabelecer postos comerciais na
China] com o propósito de primeiro estimular e depois manipular a
rivalidade entre eles”. Para Kissinger, é parte do “princípio de
derrotar os bárbaros próximos com o auxílio dos bárbaros distantes”.
O cientista político afirma que o paradigma chinês de pensar a
diplomacia é bastante diferente do Ocidental. Enquanto este se baseia na
vitória total e tem no xadrez seu principal modelo, a maneira da China
seria melhor ilustrada pelo jogo tradicional Wei qi, uma espécie de
gamão que “implica um conceito de cerco estratégico” e no pensamento de
Sun Tzu com sua “ênfase nos elementos psicológicos e políticos acima dos
puramente militares”. A metáfora é bonita, mas, com ligeiras
adaptações, o que o autor classifica como tradição oriental poderia ser
igualmente usado para descrever certas medidas dos Estados Unidos
durante a Guerra Fria, como o Plano Marshall e a criação da OTAN.
– Negociando com os Comunistas –
O livro torna-se mais interessante quando aborda a China após a Revolução Comunista de 1949. Kissinger examina os erros cometidos pela liderança dos Estados Unidos naquela época, mostrando como a rigidez ideológica do período os cegou para as possibilidades de explorar as divergências crescentes entre Pequim e Moscou, e atrelou Washington a uma aliança ineficaz com o regime nacionalista em Taiwan. Medos e desconfianças fizeram com que os Estados Unidos creditassem ao governo comunista chinês intenções agressivas com relação à Coréia, numa escalada que culminou com a guerra de 1950-2, que terminou num surpreendente impasse militar – ninguém esperava tal desempenho do exército chinês, desgastado após o longo embate contra japoneses e nacionalistas.
O livro torna-se mais interessante quando aborda a China após a Revolução Comunista de 1949. Kissinger examina os erros cometidos pela liderança dos Estados Unidos naquela época, mostrando como a rigidez ideológica do período os cegou para as possibilidades de explorar as divergências crescentes entre Pequim e Moscou, e atrelou Washington a uma aliança ineficaz com o regime nacionalista em Taiwan. Medos e desconfianças fizeram com que os Estados Unidos creditassem ao governo comunista chinês intenções agressivas com relação à Coréia, numa escalada que culminou com a guerra de 1950-2, que terminou num surpreendente impasse militar – ninguém esperava tal desempenho do exército chinês, desgastado após o longo embate contra japoneses e nacionalistas.
Kissinger enumera as razões pelas quais a União Soviética e a China
divergiram entre si, apesar do regime comunista comum – disputas
ideológicas por influência no Terceiro Mundo, conflitos regionais na
Ásia, problemas de fronteira. Novamente, o cisma é melhor narrado por
outros autores, como The Sino-Soviet Split, de Lorenz Luthi.
O que Kissinger tem a oferecer são anedotas – algumas delas saborosas
– sobre suas negociações com líderes chineses como Mao, Zhou Enlai e
Deng Xiaoping. Ele vê o primeiro como um filósofo camponês desconfiado e
astuto, o segundo como um diplomata refinado, um mandarim cortês como
os que serviram os imperadores. Claramente foi seu interlocutor
favorito: “Mao era ávido por acelerar a história: Zhou se satisfazia em
explorar suas correntes”. O terceiro é elogiado como pragmático e
direto: “Ele incubia seus subordinados de inovar, depois endossava o que
funcionava.” Há bons perfis dos líderes chineses da era de Deng, como o
reformador heterodoxo Zhao Zyiang, o presidente Jiang Zemin e o
chanceler Qian Quichen (“um dos ministros das Relações Exteriores mais
habilidosos que já conheci”).
Maurício Santoro.
Doutor em Ciência Política, é professor do MBA em Relações
Internacionais da Fundação Getúlio Vargas-RJ e colaborador da Globo
News, rádio Band News e Folha de S. Paulo.
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