domingo, 27 de novembro de 2011

Entrevista: Jatene fala sobre plebiscito no Pará e sobre a taxa da exploração mineral


 No momento em que os eleitores discutem o projeto de separação que pode transformar o Pará em três e está trazendo à ribalta problemas históricos do Estado, o governador Simão Jatene colocou lenha na fogueira das discussões sobre os reais benefícios que a exploração mineral deixa aos paraenses.

Semana passada, enviou à Assembleia um projeto de lei que prevê a cobrança de R$ 6 por tonelada de qualquer minério extraído no Estado. Se transformado em lei, o projeto engordará os cofres públicos em quase R$ 1 bilhão por ano, o equivalente a duas vezes o que arrecadou com a venda das Centrais Elétricas do Pará (Celpa), em 1998.

Com uma base aliada dividida em meio à campanha separatista, Jatene afirma estar confiante de que o projeto passará, sem dificuldades pelos deputados. Mas a proposta deve enfrentar reações das empresas mineradoras, que já se articulam para conseguir a declaração de inconstitucionalidade da taxa.

Na última sexta, o governador recebeu o DIÁRIO para uma entrevista em que defendeu a aprovação da proposta e comentou as razões que o levaram a, finalmente, descer do muro e se manifestar publicamente sobre o plebiscito de 11 de dezembro. A manifestação foi publicada em artigo na edição do último domingo do DIÁRIO. Na entrevista, Jatene admite: se necessário, poderá entrar de cabeça na campanha contra a divisão.



P: Como surgiu a ideia do projeto de cobrar taxa sobre a exploração mineral?R: A ideia de que se precisa - pela própria dimensão que a mineração tem para o Estado - ter mecanismos mais eficientes, claros, bem definidos de controle e acompanhamento dessa atividade não é nova. Confesso que desde o governo passado isso era algo sobre o que sempre se conversava. Qual a melhor alternativa? Até porque se tinha uma discussão das próprias mudanças que a União deveria fazer no sentindo de ter um sistema melhor de controle e acompanhamento da exploração mineral.

P: Hoje essa é uma atividade sem controle do Estado?R: O que existe hoje é muito frágil.

P: É uma riqueza que está escorrendo pelo ralo?R: É um bem [os minérios] absolutamente estratégico. E a sociedade não tem mecanismos de controle eficientes, que possam contribuir para que efetivamente esse bem se constitua num elemento de desenvolvimento.

P: Qual a relação entre o controle de que o senhor está falando e cobrança da taxa?R: Essas duas coisas são absolutamente casadas. A taxa é um tributo que normalmente tem dois fundamentos. Um deles é a contraprestação de um serviço que o Estado oferece ao cidadão. Outra é o exercício do poder de polícia, que é a própria essência do Estado. Temos uma riqueza que é de toda a sociedade, que é estratégica, importante para o desenvolvimento da sociedade. Nada mais razoável que se tenha fiscalização sobre pesquisa, lavra e extração.

P: Como o governo chegou ao valor de R$ 6?R: Um conjunto de cálculos foi feito para que não se inviabilizasse a produção, não se perdesse competitividade, mas que se pudesse financiar essas atividades que o Estado tem que desenvolver para que possa efetivamente ter controle sobre a mineração.

P: Em Minas, eles têm um projeto semelhante, mas a taxa ficou em torno de R$ 2...R: O projeto de Minas tem algumas diferenças. Apesar de termos conversado sobre o tema. A nossa taxa vem colada a um cadastro. Em alguns casos, o projeto define que os microempreendimentos estejam isentos da taxa, mas não do cadastro.

P: Em Minas, a proposta é em torno de R$ 2 e no Pará de R$ 6. Por quê?R: O projeto de Minas é diferente. Em Minas, tem a ver com a exportação ou não. Alguns tipos de minérios estão isentos. No nosso caso, não. Será tudo.

P: Mas por que R$ 6?R: Você já ouviu falar de uma coisa chamada custo Amazônico? Para acompanhar e fiscalizar, precisamos ter o controle e acompanhamento de uma atividade que é pulverizada e vai exigir, em todo território, a presença do Estado com uso de tecnologia que permita efetivamente acompanhar a atividade.

P: Quanto essa cobrança vai render ao Estado?R: Em torno de R$ 800 milhões por ano.

P: Esse valor é quase três vezes a capacidade de investimento do Pará em 2011...R: Foi um ano atípico. No meu último ano de governo, em 2006, investimos cerca de R$ 1 bilhão e pouco. Infelizmente o Pará perdeu capacidade de investimento, que a gente está recuperando.

P: Esse dinheiro não fará grande diferença na capacidade de investimento?R: Não só na capacidade de investimentos. Faz uma grande diferença no exercício da gestão pública.

P: É forma de pressionar a União a resolver os problemas da lei Kandir?R: Não tem nenhuma vinculação. Eu continuo brigando para que a União resolva a questão.

P: Há controvérsia sobre a competência legal do Estado para instituir essa taxa...R: Eu não tenho nenhuma dúvida quanto essa competência. Seria negar que o Estado tem competência de cobrar taxas. Ninguém questiona as demais taxas que o Estado cobra. Não pode existir controvérsia.E isso não tem nenhuma relação com compensação da exploração dos recursos naturais. Para isso existe a CFEM [Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais].

P: Em Minas, o governo tem tido dificuldade para aprovar o projeto...R: Esse é um anseio antigo da sociedade paraense E minha expectativa é de que a Assembleia aprove essa taxa para que possa vigorar já a partir do ano que vem.

P: O senhor está preparado para uma batalha jurídica em torno do projeto?R: Para dizer que ele é inconstitucional teriam que desqualificar isso como taxa e chamar de outra coisa que ela não é.

P: Esse projeto não pode ser um fator de atrito entre o Estado e a Vale?R: Espero que não. Pelo contrário. Eu acho que toda empresa moderna deve desejar que a sua atividade passe pelo controle social.

P: No último domingo, o senhor divulgou artigo manifestando pela primeira vez, publicamente, sua posição sobre a divisão do Pará. Por que se manifestar nesse momento?R: Desde que se começou a discutir essa história, eu ponderei sempre algumas coisas. A primeira delas é que isso é uma coisa tão séria que tem que ser tratada com muita, mas muita responsabilidade, sem açodamento. O plebiscito é um instrumento fantástico de participação, mas o voto é tanto mais democrático quanto mais as pessoas souberem efetivamente sobre o que estão votando, sob pena de o voto acabar se constituindo elemento de chancela ou aval do desejo de grupos de interesses.

P: Não há informação suficiente sobre o assunto?R: Eu acho que essa é uma das questões mais sérias.

P: Então repito: por que se manifestar agora?R: Os programas foram seguindo uma escala de agressividade. Eu sempre disse que eu estava preocupado com dia da eleição, do plebiscito, mas não poderia deixar de ter uma atenção especial com o dia seguinte. No rumo que a campanha tomou, teremos mágoas e ressentimentos. Seja qual for o resultado, vamos ter um dia seguinte, e vamos ter que ter estratégias e projetos de desenvolvimento. Não conheço experiência bem sucedida de desenvolvimento em que autoestima do povo não seja um combustível fundamental. A campanha vinha na direção de quase destruir essa autoestima.

P: O que o levou a se manifestar foi o tom dos programas eleitorais?R: Claro. Se a minha preocupação, como governador, é com o dia da votação, mas, sobretudo, com o dia seguinte, tenho o dever de preservar a unidade do povo.

P: Mas se o objetivo da campanha do Sim é mostrar que dividir o Estado será melhor, não é natural mostrar que do jeito que está é ruim?R: Acho que você pode fazer propostas, indicar coisas, mas tendo compromisso com a verdade. Quer um exemplo claro? A história do FPE [Fundo de Participação dos Estados]. Desafio que qualquer pessoa com compromisso com a verdade e bom senso possa dizer que depois de 2012 o FPE vai ser assim ou assado. Existe uma determinação legal de que durante 2012 vamos ter que redefinir os critérios de distribuição. Como posso aceitar que se engane a população dizendo que vai crescer em R$ 3 bilhões? Isso não tem nenhum fundamento.

P: O senhor se sente pessoalmente atingido pelos programas eleitorais do sim?R: De jeito nenhum.

P: Eles mostram um Estado arrasado...R: Essa não é uma questão pessoal. É uma questão de povo. O Pará está vivendo seu maior desafio. Estamos sendo cobaias. Um plebiscito que se define sem que antes se saiba quem irá votar... Isso só foi resolvido depois. Existem hoje mais de 20 projetos de redivisão. Precisamos pensar o que está por trás disso.

P: O senhor vai entrar de cabeça na campanha?R: O que me motivou [refere-se ao artigo] foram a agressões ao povo do Pará. Não posso, como governador, aceitar que a nossa gente seja tratada como um detalhe.

P: Repito: o senhor poderá entrar de cabeça na campanha?R: Não pensei sobre isso.

P: Se for preciso, se as pesquisas indicarem?R: Se houver agressão, à nossa gente, eu não vou poder deixar de entrar. Terei necessariamente [que participar da campanha do não] porque esse é meu papel.

P: Aliados reclamaram...R: Não posso aceitar qualquer medida que possa provocar, contribuir, promover ou levar a que o debate sobre a divisão se transforme na divisão do povo.

P: O senhor foi acusado de ter feito promessa de se manter neutro e não ter cumprido...R: Se existe alguém que tem quase obsessiva preocupação com a coerência... Confesso que sou assim.

P: Mas fato é que o senhor disse que ia manter-se neutro...R: Não. Eu disse sempre que achava que não poderia contribuir para que a divisão levasse à ruptura de laços que a nossa gente tem. Na hora em que a campanha vem promovendo essa ruptura, não dizer nada é que seria incoerente.

P: E o relacionamento com a base aliada, como anda?R: Muito bom. Não tenho dificuldade de conversar com qualquer parlamentar. Independente de divisão ou não, todos temos compromisso com a população.

P: O senhor espera retaliações na Assembleia?R: Nem me passa pela cabeça.

P: Os deputados na campanha do sim devem temer retaliações pós-plebiscito?R: Jamais. Sou uma pessoa rigorosamente democrática.

P: O não vai vencer?R: Prefiro não me manifestar. Quero só dizer que continuo preocupado com o dia seguinte. Espero que as duas campanhas tenham maturidade e equilíbrio para mostrar pontos de vista sem agressões. (Diário do Pará)

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