Pior do que o sensacionalismo, é o sensacionalismo seletivo, que só explora vícios de quem incomoda
Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado.
No
Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos.
Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está
constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu
muito destaque por causa disso.
De repente, o encanto se desfez.
O
senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais
de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria
recebido uma cozinha importada de presente.
A Polícia Federal
ainda apura a participação do senador em negócios com o homem dos
caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários celulares
Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas mãos de
Demóstenes.
Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona,
sendo a última notícia, um pedido do senador para que o empresário
pagasse seu táxi-aéreo.
Mesmo assim, com o potencial de
escândalo que a ligação podia ensejar, vários órgãos de imprensa
evitaram por semanas o assunto, abrandando o tom, sempre que podiam.
Por
coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias
bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base,
como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.
Encontrar
o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi tarefa
árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo quando o
assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais. Manchetes, nem
pensar.
Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas
indícios é o cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de
conversas telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às
bruxas por relações pessoais pode provocar profundas injustiças.
Tudo
isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual
procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para
muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro,
perguntar depois.
Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o
sensacionalismo seletivo, que explora apenas os vícios de quem lhe
incomoda. Ele é tão corrupto quanto os corruptos que por meio dele se
denunciam.
Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa
para derrubar ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após
manchete. Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do
que as produzidas contra o senador.
Não parece razoável que um
órgão de imprensa possa escolher, por questões ideológicas, empresariais
ou mesmo partidárias, que escândalo exibir ou qual ocultar em suas
páginas. Isso seria apenas publicidade, jamais jornalismo.
Durante
muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do "interesse
público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no ataque a
reputações alheias.
A jurisprudência dos tribunais, em regra,
tem lhes dado razão: para o jogo democrático, a verdade descortinada ao
eleitor é mais importante do que a suscetibilidade de quem se mete na
política.
Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão
de imprensa mascara ou deliberadamente esconde de seus leitores uma
denúncia de que tem conhecimento?
O direito do leitor, aquele
mesmo que fundamenta as imunidades tributárias, o sigilo da fonte e até
certos excessos de linguagem, estaria aí violentamente amputado.
Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.
Do Blog.
Sem Juízo, por Marcelo Semer