quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

CONCEIÇÃO TAVARES: ESQUEÇAM O BANCO CENTRAL, SEUS MEMBROS PRESTARAM UM DESSERVIÇO AO PAÍS

DA REVISTA CARTA MAIOR

O consenso nacional para derrubar a taxa de juro, unanimidade que agora arregimenta até conservadores de carteirinha, chegou tarde demais, na opinião da economista Maria da Conceição Tavares. Ela acredita que o BC irá fazê-lo em gotas de sereno, a partir de janeiro de 2009, quando esse simbolismo já não terá mais capacidade de reverter a dinâmica deflagrada pela crise.

Expectativas pessimistas e revisões em planos de investimento puseram-se em marcha ao longo da omissão persistente da política monetária comandada por Henrique Meirelles nos últimos anos. A ortodoxia encastelada no BC fez a sua escolha. E a cumpriu com fidelidade.

“O Brasil não pode mais contar com o BC”, diz Conceição. Seus membros prestaram um desserviço ao país para servir ao rentismo, que os ancora e protege.“A partir de agora, o Banco Central tornou-se uma peça menor no xadrez econômico”, resume e prossegue calmamente. “Reduziu-se a um estorvo apenas; uma irrelevância diante dos fatos, das urgências e das possibilidades que se colocam para a economia e o governo. Essa gente já não consegue mais sequer me provocar indignação, apenas cansaço”.

O tom sereno do diagnóstico não é usual, por isso mesmo soa mais forte que pancada. Vindo de quem vem, não poderia haver manifesto de desprezo mais contundente a uma esfera de governo que se fez obsoleta para os interesses do país. A professora, como Maria da Conceição é tratada carinhosamente pelos seus admiradores, discípulos e ex-alunos, e até por adversários, não costuma poupar decibéis na defesa de idéias sempre vigorosas. Que o faça agora em tom plano é um sintoma eloqüente do menosprezo que atribui à instituição e à política monetária nas questões decisivas dos próximos meses.

A grande batalha que mobiliza a professora nesse momento, tão difícil quanto foi a do juro, envolve uma conseqüência que faz enorme diferença: perder desta vez seria definitivamente fatal. Evitar esse desfecho é o propósito que devolve a determinação costumeira à sua voz.

“Fortalecer o emprego e o poder aquisitivo do povo; em torno disso acontecerá a batalha decisiva para vencermos ou não a travessia de 2009”. É assim que ela define o que está em jogo na economia e na política de agora em diante. “Portanto, meu Deus”, e aqui está de volta a oratória envolvente da decana dos economistas brasileiros, “os que falam em cortar gasto de custeio que me perdoem, não sabem do que estão falando. Política social também é custeio. E se não é tudo, talvez seja o único grande trunfo que o governo controla, a partir do qual poderá agir com eficácia e rapidez diante da crise”.

Gastar mais na esfera social, no seu entender, é a injeção de adrenalina capaz de preservar a atividade, o emprego e o poder aquisitivo; ao menos naquele pedaço do Brasil que escapou da linha da pobreza durante o governo Lula e hoje agiganta o mercado interno, proporcionando ao país uma variável que o distingue na resistência ao colapso econômico mundial. Sim, isso poderia incluir até a antecipação de reajuste do salário mínimo, “como propõe o Carneiro”, diz Conceição.

“Mas veja bem, estamos diante de uma questão política, não uma unanimidade tardia como parece ser a do juro hoje. Ampliar a despesa social é o que pensamos nós, economistas heterodoxos, assim como dizíamos há meses – anos - que era preciso baixar os juros. Mas por enquanto não há consenso sobre isso; talvez nem dentro do próprio governo. É uma corrida contra o tempo, motivo pelo qual insisto: o gasto de custeio social é a nossa chance de defender o país contra o desemprego e a recessão. Mesmo assim serão tempos difíceis”.

Não se trata apenas de vencer um percurso econômico. Conceição antevê nessa travessia a prefiguração do teste eleitoral a que será submetido um projeto que ela ajudou a construir nos últimos anos. Na verdade desde antes quando, jovem ainda, iniciou-se no BNDES e elegeu Celso Furtado e o projeto de desenvolvimento nacional como bússola histórica de sua vida e de sua profissão.

A professora Maria da Conceição é amiga de longa data da ministra Dilma Roussef, possível candidata do PT à sucessão do Presidente Lula. Conceição também já foi próxima de José Serra, candidato declarado da oposição no embate sucessório de 2010. Mas Conceição não tem dúvida de que lado estará então. “Serra não é um neoliberal; é bom que se diga e que não se confunda”, antecipa em tom sério. “Conheço ambos. A diferença entre Dilma e o Serra é que a visão da Dilma é mais consistente do ponto de vista histórico. Dilma escolheu o lado que pode apoiar um projeto de desenvolvimento para o Brasil no século XXI. E isso faz toda diferença. Entre o desenvolvimentismo de boca, do Serra, e o projeto ao qual Dilma pertence, eu não tenho dúvida de que lado fica a consistência histórica. E arremata: “Sim, Serra se opunha ao Malan no governo FHC. Mas Serra não se opôs às privatizações nem à política fiscal, concebida por gente da sua influência. Dilma é mais consistente. E não se trata apenas de superioridade no manejo econômico. Sua visão da economia tem uma contrapartida social coerente; e uma contrapartida de democracia consistente”.

Com um sorriso de entusiasmo, a professora comemora a notícia de que o PT , junto com a Fundação Perseu Abramo, criará uma Escola de Formação Política. “A agenda neoliberal contaminou toda sociedade; claro, também alcançou esferas do partido”, explica. “A crise econômica coloca esse pensamento em xeque e abre espaço para o PT retomar seu programa dos anos 94 e 98. Era um bom programa de reformas para o Brasil”, comenta, mas sem saudosismo - “perdemos com um bom programa, sempre é bom lembrar“. E aconselha como se fosse ao mesmo tempo cronista eqüidistante e personagem do mesmo enredo: “O PT precisa submeter seus projetos e ideais à nova realidade mundial. Isso requer estudo e reflexão.

Essa crise não é como a de 30. É uma crise de paradigma, inclusive de paradigma industrial, o que não ocorreu em 30. É muito sério. Portanto, é hora de refletir, esclarecer, debater. O partido deve fazer isso sem perder a serenidade”, pontua preocupada: “Existe o horizonte político amplo, mas uma proposta de governo tem que oferecer respostas condicionadas às circunstâncias do país, agravadas pela crise mundial”.

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