quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Novo secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB)

Bráulio Ferreira de Souza Dias

 Perda de recursos naturais é "vertiginosa", alerta Dias

Bráulio Ferreira de Souza Dias, atual secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, inicia o trabalho como secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB) com vários desafios pela frente - o maior, talvez, seja convencer a sociedade que o atual processo vertiginoso de perda de recursos naturais é tão desastroso para o mundo quanto a crise climática.

"Na área do clima, a ficha da sociedade já caiu. Na biodiversidade, a rota em que estamos levará a desastres ambientais enormes, mas é mais difícil de a população enxergar", diz o biólogo que, na sexta-feira, foi indicado para um dos postos internacionais de maior prestígio na área ambiental. "A crise climática se manifesta com um grande furacão ou uma grande tragédia como os deslizamentos de terra. Na biodiversidade, é mais silenciosa", falou Dias ao Valor, no dia em que soube ter sido indicado por Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU.

A escolha pelo biólogo com PhD em zoologia pela Universidade de Edimburgo ocorreu em um processo com 66 outros candidatos do mundo todo. No fim, quatro nomes foram encaminhados a Ban, que escolheu o brasileiro para um dos postos de mais alto nível na ONU. As três grandes convenções ambientais - de clima, biodiversidade e desertificação -, têm um secretário-executivo. O mais célebre foi Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima na conferência de Copenhague, em 2009. Dias sucede o argelino Ahmed Djoghlaf, no cargo desde 2006 e que tentou se reeleger.

A CDB busca garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. Seu último round de negociações ocorreu em 2010, no Japão. Ali, representantes de mais de 190 países chegaram a um acordo conhecido por Protocolo de Nagoya, um pacote de medidas para tentar brecar o processo de perda de biodiversidade global. O acordo também estabeleceu regras para quem quiser acessar recursos naturais e diz como os benefícios desse uso serão repartidos - maneira de recompensar o país que preservou a natureza (e as comunidades tradicionais) e coibir a biopirataria. É o equivalente, na convenção do clima, ao famoso Protocolo de Kyoto.
"Em Nagoya conseguimos fechar as regras do jogo e ter um plano de 20 metas globais ambiciosas, para 2011 e 2020, para proteger a biodiversidade", diz. Dias considera que, nesse assunto, as negociações internacionais chegaram a um estágio de maturidade. Essas metas pressupõem, por exemplo, a proteção de pelo menos 10% dos ecossistemas marinhos e costeiros do planeta e 17% dos ecossistemas terrestres e de água doce. "Agora é arregaçar as mangas, é hora de fazer a articulação e conseguir o engajamento de vários setores", acredita. "Não dá mais para ficar pensando que a proteção da biodiversidade é uma agenda só de governo. É um problema de consumo sustentável, de produção."

Ao assumir a Secretaria-Executiva da CDB, no Canadá possivelmente em fevereiro, Bráulio Dias tem uma grande tarefa pela frente. A sua função é a de fazer a CBD andar. Os ganhos em Nagoya tem que ser ratificados pelos Congressos de pelo menos 50 países para que o Protocolo vire lei internacional. Hoje há adesões de 70 países, mas só meia dúzia o ratificaram. No Brasil, o protocolo foi traduzido para o português, mas ainda não chegou ao Congresso.

Outro assunto a organizar é a CoP 11, a conferência de biodiversidade que ocorre este ano na Índia. Um item chave da pauta é a mobilização de recursos financeiros para implementar as 20 metas acordadas em Nagoya. "Os países mais pobres dependem muito do apoio internacional. O problema é que o mundo vive uma crise financeira", reconhece. "Não dá para achar que só o orçamento dos governos vai pagar essa conta. Teremos que incluir também o setor financeiro, empresarial e outros. Vamos ter que dar mais força a mecanismos de mercado."


Monitorar o cumprimento das metas é outro tema de debate na Índia. É difícil conseguir perceber o que acontece com recursos genéticos, peixes, áreas úmidas. "O mundo ainda não conseguiu avançar em um processo transparente que sinalize o que está acontecendo com a biodiversidade." No Brasil, diz, o avanço do monitoramento das florestas por satélite deu transparência ao desmatamento. Mas em biodiversidade, ninguém sabe a dimensão do problema. "As pessoas não se dão conta de que estamos no meio de uma crise de proporções em grande escala."

No Brasil, desde 2010 criou-se um processo de consulta pública, com reuniões setoriais para trazer as metas negociadas em Nagoya para dentro do contexto brasileiro. Os encontros têm reunido de empresários a grupos indígenas. A intenção é chegar a uma convergência de posições e formalizar, antes da Rio+20, em junho, a nova política brasileira da biodiversidade, com um plano de metas nacionais e uma comissão nacional que monitore o cumprimento dos objetivos.
Por Daniela Chiaretti | De São Paulo

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