sábado, 11 de janeiro de 2014

Desafios ainda pendentes

Após dez anos, Bolsa Família tem desafio de melhorar ensino 


Ribeirão do Largo, no sul da Bahia, e Algodão de Jandaíra, no agreste da Paraíba, são cidades pobres do interior nordestino. Além disso, têm em comum o fato de a cobertura do Bolsa Família ser superior a 75% de suas respectivas populações (a média nacional é 25%). Também são considerados municípios prioritários pelo Ministério da Educação (MEC) por estarem abaixo da média nacional no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), hoje o principal instrumento para medir a qualidade do ensino no país.

Embora quase todos os filhos e filhas dos beneficiários do programa federal de transferência de renda frequentem escola pública, a trajetória de alguns indicadores educacionais que determinam avanço ou retrocesso no ensino nas duas cidades é bem diferente.

Em Algodão de Jandaíra, onde 78% dos quase 2,5 mil habitantes recebem, na média familiar, pouco menos de R$ 150 do Bolsa Família, a nota das escolas públicas no Ideb cresceu nos dois ciclos do ensino fundamental entre 2005 e 2011; a taxa de alunos em séries inadequadas conforme a idade caiu dramaticamente entre 2006 e 2010 (de 62,6% para 10,2%); e o índice de reprovação, que era de 25,9% em 2007, foi reduzido para 11,6% em 2012.

Já em Ribeirão do Largo, o Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental não subiu o suficiente para cumprir a meta estabelecida pelo MEC; nas séries finais, a nota caiu de 2,5 para 2,4 entre 2005 e 2011, também aquém da meta de 3. No indicador de distorção idade-série, houve tímida melhora em cinco anos, com redução da taxa de 61,3% para 56,8%, enquanto o índice de reprovação registrou queda mais forte, de 25,9% para 11,6%. Na cidade baiana, 83% dos 8,6 mil habitantes ganham, na média familiar, R$ 132 do programa federal de transferência de renda.

A partir de uma lista de 2.050 municípios prioritários do MEC, a reportagem do Valor levantou outras 24 cidades, uma por Estado, com a maior proporção de beneficiários do Bolsa Família em relação ao total de habitantes e estendeu a análise feita para Algodão de Jandaíra (PB) e Ribeirão do Largo (BA). À primeira vista, a impressão é de melhora generalizada nos indicadores de reprovação e distorção idade-série, mas há pelo menos dez cidades que pioraram nessas duas variáveis e muitas registraram avanços em ritmo bem mais lento que outras, como no exemplo anterior.

Já a avaliação do desempenho das escolas públicas desses municípios no Ideb dos anos finais do ensino fundamental acende uma luz amarela: pelo menos quatro cidades pioraram de nota entre 2005 e 2011 e dez não bateram a meta do indicador. Na média nacional, colégios municipais e estaduais batem a meta do Ideb tanto nos anos iniciais como nos anos finais do fundamental.

Desde o seu lançamento em 2003, o Bolsa Família se consolidou como uma das principais políticas governamentais do Brasil no combate à pobreza e na promoção de ações para superá-la. Graças à condicionalidade na área educacional, que obriga pais e mães a matricular seus filhos na escola e a garantir a frequência de até 85% das aulas, o programa também apresenta resultados positivos em inclusão e permanência na escola.




A melhora no acesso escolar, no controle de faltas e na redução da taxa de abandono por influência do programa é evidente. Mas nesses dez anos de existência, o governo ainda não tem ferramentas suficientes para responder à pergunta essencial: "A qualidade do ensino dos mais de 17 milhões de alunos da rede pública, que hoje são beneficiários do Bolsa Família em todo o Brasil - mais de 40% do total de estudantes -, está melhorando?"

De forma genérica, o governo responde que sim ao promover, na publicidade oficial, muitas histórias de crianças que, ajudadas pelo programa, hoje estão chegando à universidade, mudando uma trajetória familiar historicamente marcada pela baixa escolarização e, em muitos casos, pelo analfabetismo.

O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que administra o Bolsa Família em parceria com outros ministérios, governos estaduais e prefeituras, apresenta dados concretos: no ensino médio público, a taxa de abandono escolar dos alunos atendidos pela política federal de transferência de renda é de 7%, contra 11% da média nacional; no ciclo fundamental, a mesma comparação apresenta taxa de 2,9% para alunos do Bolsa Família, um pouco abaixo da taxa média nacional da rede pública (3,2%). No quesito aprovação, os jovens do ensino médio beneficiados pelo programa também têm melhor desempenho na comparação com a média brasileira da rede pública.

Embora o governo comemore, os números, sozinhos, não evidenciam real melhora na qualidade do ensino em função do Bolsa Família, como visto no exercício comparativo entre as duas pequenas cidades na Bahia e na Paraíba. A resposta para a equação é complexa e polêmica. Alguns especialistas acreditam que o impacto do programa de transferência de renda na qualidade da educação é baixo. Há quem sustente que apenas o estímulo para a criança entrar na escola na idade certa e permanecer até o fim da educação básica traz muita vantagem ao ensino.

O secretário-adjunto de Educação do Ceará, Mauricio Holanda Maia, afirma que não é papel do Bolsa Família melhorar o ensino. "Ele dá conta de aumentar o ingresso e a permanência dos meninos e faz isso bem. Mas o programa tem um escopo e não deve-se pedir ao Bolsa Família mais que o seu escopo, para que ele não seja qualificado ou desqualificado em virtude de resultados que realisticamente não dependem dele", opina Maia.

Já Rui Aguiar, especialista em projetos para o Nordeste do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), considera plausível vincular a frequência escolar impulsionada pelo Bolsa Família a melhorias no ensino. "Uma das grandes dificuldades da gestão escolar brasileira ainda é o controle de frequência. Raras escolas respeitam os 200 dias letivos. As crianças que são beneficiadas pelo Bolsa Família, de alguma maneira, passam mais tempo na escola; isso aumenta a probabilidade de vantagens na aprendizagem", avalia Aguiar.

O governo é cauteloso na abordagem da questão e teme comparações simplistas entre o desempenho da educação recebida por estudantes não beneficiários e beneficiários do Bolsa Família. Para Daniel Ximenes, diretor do Departamento de Condicionalidades da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do MDS, é arriscado fazer estudos "aligeirados", que fomentem a criação de rankings. "Não dá para ranquear essas escolas de maneira unilateral. Temos que ter cuidado nas interpretações, tem que ter um compromisso muito técnico e ético. Não é um trabalho rápido e fácil", afirma.

Segundo ele, o MDS se aprofundará na produção de avaliações sobre o impacto do Bolsa Família na qualidade do ensino ao longo do primeiro semestre de 2014. Esse tipo de estudo será feito, principalmente, a partir de informações, já em poder do governo, sobre as 75 mil escolas públicas do país - de um universo de 200 mil - onde a maioria dos alunos é composta por beneficiários do programa de transferência de renda.

Ximenes insiste que avaliações dessa natureza só são boas quando feitas de forma contextualizada. "É preciso analisar e comparar a infraestrutura das escolas, o perfil socioeconômico das famílias, dos professores, sua formação. Tem que analisar a partir de variáveis semelhantes para não deixar a interpretação unidirecional."

Em pesquisa acadêmica recente feita pela professora Maria Inês Caetano Ferreira e por alunas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) foi constatado que em uma escola pública de Cruz das Almas, no interior baiano, o Bolsa Família não teve influência nos rumos do ensino. As pesquisadoras analisaram anotações dos professores nos diários de classe durante o ano letivo de 2011 e compararam alunos beneficiários e não beneficiários.

De acordo com o estudo, a taxa de aprovação de ambos os grupos foi semelhante, assim como os principais comentários nos diários. "Maioria aprovada por conselho de classe e outros após recuperação", dizia anotação geral sobre alunos regulares e do Bolsa Família aprovados na quarta série do ensino fundamental. "Nesse caso estamos diante de uma aprovação frágil, que tem impacto negativo no aprendizado, não importa se o aluno tem um programa social por trás, não há diferenciação. No fundo, o problema é de qualidade da educação: cabe aos governos estaduais e municipais resolver", avalia Maria Inês.

Em Mairiporã, município prioritário do MEC localizado na região metropolitana de São Paulo, a estratégia para melhorar o desempenho de alunos do Bolsa Família é a aproximação, via Secretaria Municipal de Assistência Social, com as famílias do programa. "Na escola não tem distinção, mas pelo menos a cada 15 dias, ou até semanalmente, nós nos reunimos com pais e mães cadastrados no programa para falar sobre a importância da frequência escolar e do acompanhamento das notas e das atividades dos filhos na escola", conta Maria Lucia Naf, secretaria de Assistência Social de Mairiporã, que tem mais de 13,2 mil beneficiários do Bolsa Família.

Moradora da cidade, a faxineira Maria Aparecida da Silva, de 39 anos, segue as orientações à risca e, além de acompanhar a rotina dos dois filhos na escola, voltou a estudar. Matriculou-se num programa de educação de jovens e adultos. Enquanto a filha cursa a sexta série e o filho está no terceiro ano do ensino médio, ela faz o supletivo e sonha em fazer um curso técnico e trabalhar como paisagista de jardins.

"Sempre pego no pé dos dois. Mesmo do mais velho, não é porque é marmanjo que tem que largar mão. Acho que comigo participando mais da vida deles na escola, eles vão entender que eu estou apoiando e vão se dedicar mais, dar mais valor para essa chance, que eu não tive na idade deles", diz Maria Aparecida, que normalmente usa os R$ 146 que recebe do Bolsa Família para comprar material escolar e cobrir despesas da casa.





Além da condicionalidade para estimular inclusão e a permanência na escola, o Bolsa Família, nos últimos anos, passou a ter articulação mais forte com políticas educacionais que podem ser determinantes para um bom aprendizado. Na educação infantil, o governo lançou, em 2011, o Brasil Carinhoso, que amplia a renda do programa para mães com crianças de zero a seis anos, e lançou a meta de construção de 6 mil creches dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). No ensino fundamental, milhares de escolas com maioria de estudantes beneficiários passaram a fazer parte do Mais Educação, iniciativa do MEC de ensino em tempo integral.

"Nesses dez anos, o Bolsa Família acabou tendo uma dimensão bastante significativa, às vezes maior do que ela deve ser. Virou uma grande plataforma para várias políticas públicas, e aí quando a gente entra na educação acaba tendo uma expectativa bastante elevada, mas o Bolsa não pode resolver todos os problemas de todas as áreas, é um programa que tem seus objetivos, suas características", afirma Ximenes, do Ministério do Desenvolvimento Social.

Valor Econômico


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