O escolhido para disputar a Prefeitura de São Paulo pelo PT conta como estreitou sua relação com Lula entre gafes e conversas no avião presidencial
Lula discursa durante lançamento da candidatura de Haddad em SP |
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
O momento não era o mais apropriado para deslizes.
Numa sexta-feira tumultuada pelo escândalo do mensalão, o governo tentava evitar a abertura do processo de cassação do mandato de José Dirceu na Câmara enquanto parlamentares da esquerda do PT convocavam a imprensa para um ato contra "a política econômica, as alianças espúrias e a corrupção".
Foi nesse clima que Fernando Haddad entrou no gabinete do presidente Lula em 5 de agosto de 2005, uma semana após tomar posse, para a sua primeira audiência como ministro da Educação.
Os dois ainda buscavam quebrar o gelo quando uma ligação do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, trouxe outra má notícia: a descoberta de um foco de aftosa em Mato Grosso do Sul.
"Eu tinha que minimizar o problema para conseguir despachar", lembra Haddad, sete anos depois. "Então eu disse: 'Presidente, o gado brasileiro é vacinado'. E ele: 'Você não entende nada de febre aftosa, né? A vacina não é garantia da não contaminação'. Aí já começou a complicar a minha audiência..."
O caçula do governo tentou consertar a gafe. Argumentou que o gado infectado teria sido transportado em caminhões fechados, sem contato com o resto do rebanho. Lula levou as mãos à cabeça: "Mas você não entende nada mesmo de febre aftosa, né? O vírus viaja até 90 quilômetros com o vento!"
O ministro dobrou o papel com o roteiro da reunião e sugeriu voltar outro dia, mas o presidente exigiu que ele ficasse até encerrar a lista de pendências da pasta.
Assim começou a se estreitar a relação que levaria o primeiro operário a governar o país a escolher um professor da USP sem traquejo eleitoral como seu candidato a prefeito de São Paulo em 2012.
SEM INTIMIDADE
Antes da primeira eleição de Lula, Haddad foi convidado para debates no Instituto Cidadania, onde o petista remontava seu "gabinete paralelo" depois de cada derrota em eleições presidenciais. "Mas nós tínhamos uma relação muito superficial. Nenhuma intimidade", afirma.
A sensação de distância era tão grande que um dia, já na Presidência, Lula disse acreditar que seu ministro nunca havia votado nele.
"Com exceção de 1982, quando votei no Rogê Ferreira [do PDT] para governador, eu sempre votei no senhor. Mas reconheço que sem convicção...", respondeu Haddad. A primeira-dama Marisa Letícia, que ouvia a conversa, se desesperou: "Fernando, como é que você diz uma coisa dessa?"
Aos poucos, os dois foram ficando mais próximos. Suas mulheres fizeram amizade, o ministro levou os filhos para festas na Granja do Torto e passou a ser convidado para trocar ideias até na sauna do Palácio da Alvorada. Quando o presidente viajava para São Paulo, ele se apressava em pedir carona no Aerolula.
"Isso ajuda muito. Ele me chamava sempre para conversar na cabine presidencial", conta Haddad, orgulhoso. "Lá não toca telefone, os problemas não entram no avião. É um momento bom."
POR TELEPATIA
Satisfeito com o desempenho do pupilo no MEC, Lula começou a lhe pedir palpites sobre economia -ele diz que só opinava ao ser consultado, num esforço para não melindrar os ministros da área.
A transformação do auxiliar em candidato foi uma consequência natural. E só não se precipitou em 2010, quando Lula sondou Haddad para concorrer ao governo do Estado, porque ele já havia escolhido outra ilustre desconhecida, Dilma Rousseff, para disputar a Presidência.
"Ele sabia que um projeto de renovação tem munição limitada", diz o ex-ministro.
Nas palavras dele, o convite para se candidatar neste ano, contrariando a desconfiança do partido e as pretensões da ex-prefeita Marta Suplicy, foi o "coroamento" da aproximação. Os dois se encontram ao menos uma vez por semana e conversam por telefone dia sim, dia não.
O ex-presidente driblou o tratamento do câncer para articular a campanha e chegou a posar com o ex-inimigo Paulo Maluf para ampliar o tempo do candidato na TV.
"Eu não sei nem como caracterizar a relação que nós temos hoje. É meio fraternal, meio paternal", arrisca Haddad. "Eu o entendo, ele me entende, está tudo sempre super-resolvido entre nós. Tem hora que é telepático."
Há alguns anos, não era bem assim. Em conversas com Tarso Genro, que antecedeu Haddad no MEC, Lula chamava o afilhado de "mauricinho" e "almofadinha que deu certo", num misto de reconhecimento e deboche.
Entre amigos, o candidato costuma se vingar imitando a voz rouca e os tropeços do ex-presidente no português.
"Já contaram para ele, mas eu neguei", conta, com o sorriso do aluno que espera o professor deixar a sala de aula para lhe pregar uma peça.
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