domingo, 15 de abril de 2012

Rio±20

Governo brasileiro precisa assumir papel de liderança se quiser evitar fiasco político da conferência sobre desenvolvimento sustentável
 
A dois meses do início da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), o governo brasileiro chega a uma encruzilhada.

Ou se conforma com os resultados modestos que se desenham para a reunião de cúpula no Rio de Janeiro, ou se projeta na liderança da reação para impedir um fiasco político -ainda que sob a roupagem de um sucesso midiático.

Não é fácil produzir decisões concretas nesses encontros multilaterais em que duas centenas de países têm poder de veto (as deliberações exigem consenso). Mas a Cúpula da Terra anterior, Eco-92, realizada há 20 anos também no Rio, resultou em dois tratados marcantes: as convenções sobre mudança do clima e biodiversidade.

Em 1997, a convenção do clima foi regulamentada pelo Protocolo de Kyoto, com a criação de metas para países desenvolvidos reduzirem a produção de gases do efeito estufa. A partir daí, desandou a negociação internacional sobre combate ao aquecimento global.

No estágio atual, pesquisadores do clima dão como certo que ainda neste século a atmosfera se aquecerá mais que os 2°C tidos como seguros. Acima disso, projetam, eventos climáticos extremos -como secas, enchentes e furacões- se tornariam mais frequentes.
Os entraves para o entendimento têm raízes econômicas e políticas. Nações desenvolvidas (EUA e Europa à frente), maiores beneficiárias até aqui da superexploração de recursos naturais, resistem a rever seus padrões de consumo.
Países pobres e emergentes, de sua parte, ainda enxergam os problemas do século 21 pelo prisma gasto dos conflitos Norte-Sul. Afirmam seu direito ao desenvolvimento, inquestionável, e tentam extrair o máximo de recursos (fundos e tecnologia) dos mais ricos.

Rejeitam, porém, assumir compromissos de redução de gases do efeito estufa proporcionais ao porte de suas economias. Só a energia consumida na China produz mais emissões que a dos EUA. A resultante de seu obstrucionismo e do paternalismo ambiental dos desenvolvidos tem sido um impasse.

Esse é o quadro para a Rio+20. Não está em sua pauta adotar tratados, mas é de supor que uma centena de chefes de Estado e de governo -além de delegações de outros países- não se deslocariam até o Brasil apenas para concordar com declarações inócuas. No entanto é o que se prenuncia.

O documento de base para a conferência não é mais que um esboço com pouca ou nenhuma substância. Será preciso negociar parágrafo a parágrafo a resolução.

A Rio+20 tem dois mandatos, que são também os dois principais focos de atrito: governança e economia verde. Por trás do primeiro termo se oculta uma disputa entre Europa, de um lado, que quer criar uma organização mundial do ambiente autônoma, nos moldes da OMS (saúde) ou da OMC (comércio), e, de outro, aqueles que se opõem a isso, como Brasil e EUA.
O público não especializado terá dificuldade de perceber qual a diferença entre a organização e um simples Conselho de Desenvolvimento Sustentável, como defende a diplomacia brasileira. Em qualquer dos casos, será difícil convencê-lo de que não se trata só de mais uma agência burocrática da ONU.
Tirar essa questão da mesa, contudo, pode aumentar a chance de que Barack Obama compareça à Rio+20, como fez de última hora George H. Bush na Eco-92. É duvidoso, mesmo assim, que Obama se preste a esse gesto de boa vontade internacional em tempos de campanha eleitoral nos EUA.

Em torno da economia verde, o segundo mandato, ergueu-se um debate esterilizante. Itamaraty e Planalto insistem no chamado tripé do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental. São acusados, por isso, de diminuir a ênfase no ambiente e querer transformar a conferência numa vitrine para exibir os feitos do país na redução da pobreza. Se insistirem demais, arriscam transformar a Rio+20 na cúpula sobre tudo -e sobre nada.

A clivagem ambiente versus desenvolvimento persegue a negociação internacional desde 1972, na primeira cúpula de Estocolmo, e só em aparência foi superada na Eco-92. O Brasil, que tem credenciais de sobra para exibir em ambos os casos - sua economia cresce com inclusão social e queda no desmatamento-, deveria liderar o esforço para aposentar essa dicotomia e manter o foco da Rio+20.

A melhor forma de fazê-lo é trabalhar para que a reunião adote um conjunto enxuto de metas mensuráveis e verificáveis -os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável- que tenham também relevância social e econômica, como as cinco propostas no quadro acima.

Dois meses são quase nada para desatolar um processo iniciado há 40 anos. Mas alguém precisa tomar a iniciativa de contrapor-se à inércia e à irrelevância. É nessas horas que um país comprova sua vocação para a liderança.


EditoriaisFolha de São Paulo.
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