Artigo de domingo: Venezuela bem vinda ao Mercosul
Publicado em O Liberal (08/07/2012)
Cláudio Puty (*)
Por
uma cruel ironia da História, o golpe parlamentar contra Fernando Lugo
no Paraguai foi um fator decisivo para superar um impasse que durava
sete anos no Mercosul, possibilitando que a Venezuela finalmente
ingressasse no bloco. Essa adesão vinha sendo barrada pelo Senado do
Paraguai desde 2009; agora, com a suspensão deste país do Mercosul por
conta da ruptura institucional, o pedido da Venezuela pôde ser aceito.
Por um lado, essa crise eliminou qualquer dúvida sobre o papel da
oligarquia que domina o Paraguai há seis décadas na estratégia dos EUA
de dividir o bloco por meio de acordos bilaterais de livre comércio com
países da região. Por outro, a adesão da Venezuela ao Mercosul é um
passo decisivo para a consolidação do projeto sul-americano de
integração, por mais que os porta-vozes do fim do mundo da direita
nativa torçam o nariz.
Haverá
um considerável incremento da economia regional, com o PIB total do
bloco atingindo US$ 3,2 trilhões – 75% da economia sul-americana – e uma
população de 272 milhões de pessoas, algo como 70% do total da região.
Mais importante do que essa nada desprezível pujança econômico-social,
no entanto, é o fato de a adesão da Venezuela representar um turning pointgeopolítico
do Mercosul, que a partir de agora deixa de ser uma entidade limitada
ao Cone Sul para expandir-se em direção ao norte da América do Sul. E
esse deslocamento possibilitará a integração dos Estados amazônicos ao
projeto de integração regional, como assinalaram Pedro Barros, Luiz
Pinto e Felippe Ramos em artigo na Folha de S. Paulo.
Os
autores lembram que a importância econômica da Venezuela também poderá
contribuir para dar mais equilíbrio ao bloco, atenuando o peso de Brasil
e Argentina. A Venezuela tem hoje o 24º PIB mundial – o Brasil, o 7º e a
Argentina, o 27º – ficando adiante do Chile, Peru, Bolívia e Paraguai. E
não é apenas isso: as reservas comprovadas do país vizinho atingem mais
de 250 bilhões de barris de petróleo (cerca de 20% das reservas
mundiais), superando inclusive a Arábia Saudita, segundo o relatório
anual de 2011 da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Além disso, a Venezuela detém a oitava maior reserva de gás do planeta,
de acordo com o Informe Estatístico de Energia Mundial 2011, da British Petroleum,
sem falar das riquezas minerais como níquel, carvão, zinco, prata,
cobre, cromo, chumbo, bauxita, diamantes, ouro e manganês e fosfato.
Em
relação ao Mercosul, estima-se que, com a entrada da Venezuela, o
comércio intra-bloco aumentará cerca de 20%. Já o Brasil poderá
incrementar o comércio com os venezuelanos, em alta desde 2003. No ano
passado, tivemos um superávit de US$ 3,2 bilhões, o terceiro maior em 20
anos. A sinergia entre os dois países deverá aumentar bastante; o
mercado de fertilizantes, por exemplo, é uma das possibilidades. Apesar
de a Venezuela contar com grandes reservas de fosfato, ela ainda exporta
pouco para o Brasil, que importa metade do que consome.
Com
a Venezuela no Mercosul, ampliam-se as possibilidades de empresas
brasileiras usarem o país andino como plataforma logística para
exportação para o Caribe e para os Estados Unidos. A instalação de
centros de distribuição no Norte também facilitaria o processo de vendas
de mercadorias na região. O Pará, por exemplo, poderá aumentar
significativamente a exportação de carne de búfalo para a Venezuela.
Mas
há um gargalo no comércio bilateral, que é a integração logística entre
os dois países – hoje ela é feita apenas por meio de cabotagem e frete
aéreo. No médio e longo prazo, será preciso investir na diversificação
de modais. Como assinalou o professor Paulo Vicente dos Santos Alves, da
Fundação Dom Cabral, poderíamos construir ferrovias ligando cidades
como Belém e Caracas, passando pelas Guianas e pelo Suriname.
Mas,
como dissemos anteriormente, a chegada da Venezuela transcende o
aspecto meramente econômico e ganha uma dimensão geopolítica
fundamental. Abre caminho para a integração ao Mercosul de outros países
andinos e amazônicos, tornando o bloco mais abrangente. Com isso, o
Mercosul se consolidará e poderá dar um salto qualitativo, avançando da
fase de união aduaneira para a de integração econômica.
(*) Deputado federal (PT-PA)
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