Lúcio Flávio, jornalista: mais uma vítima
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Segue
a nota de Lúcio Flávio na íntegra:
No
dia 7 o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler,
decidiu negar seguimento ao recurso especial que interpus contra decisão da
justiça do Pará. Nos dois graus de jurisdição (no juízo singular e no tribunal),
o judiciário paraense me condenou a indenizar o empresário Cecílio do Rego
Almeida por dano moral.
O
dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, se
disse ofendido porque o chamei de “pirata fundiário”, embora ele tenha se
apossado de uma área de quase cinco milhões de hectares no vale do rio Xingu,
no Pará. A justiça federal de 1ª instância anulou os registros imobiliários
dessas terras, por pertencerem ao patrimônio público.
O
presidente do STJ não recebeu meu recurso “em razão da deficiente formação do
instrumento; falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor
do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante de pagamento
das custas do recurso especial e do porte de remessa e retorno dos autos”. Ou
seja: o agravo de instrumento não foi recebido na instância superior por falhas
formais na juntada dos documentos que teriam que acompanhar o recurso
especial.
O
despacho foi publicado no Diário Oficial eletrônico do STJ no dia 13. A partir
daí eu teria prazo de 15 dias para entrar com um recurso contra o ato do
ministro. Ou então através de uma ação rescisória. O artigo 458 do Código de
Processo Civil a prevê nos seguintes casos:
“Se
verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo da
parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes,
a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar literal disposição de
lei; se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal
ou seja provada na própria ação rescisória; depois da sentença, o autor obtiver
documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz,
por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável; houver fundamento para
invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”.
Como
o ministro do STJ negou seguimento ao agravo, a corte não pode apreciar o
mérito do recurso especial. A única sentença de mérito foi a anterior, do
Tribunal de Justiça do Estado, que confirmou minha condenação, imposta pelo
juiz substituto (não o titular, portanto, que exerceu a jurisdição por um único
dia) de uma das varas cíveis do fórum de Belém. Com a ação, o processo seria
reapreciado.
Advogados
que consultei me recomendaram esse caminho, muito trilhado em tais
circunstâncias. Mas eu teria que me submeter outra vez a um tribunal no qual
não tenho mais fé alguma. É certo que nele labutam magistrados e funcionários
honestos, sérios e competentes. Também é fato que alguns dos magistrados que
agiram de má fé contra mim já foram aposentados, com direito a um fare niente
bem remunerado – e ao qual não fizeram jus.
Mas
também é verdade que, na linha de frente e agindo poderosamente nos bastidores,
um grupo de personagens (para não reduzi-lo a uma única figura fundamental)
continua disposto a manter a condenação, alcançada a tanto custo, depois de uma
resistência extensa e intensa da minha parte. Esse grupo (e, sobretudo, esse
líder) tem conseguido se impor aos demais de várias maneiras, ora pela
concessão de prêmios e privilégios ora pela pressão e coação. Seu objetivo é me
destruir. Tive a audácia de contrariar seus propósitos e denunciar algumas de
suas manobras, como continuo a fazer, inclusive na edição do meu Jornal Pessoal
que irá amanhã às ruas.
A
matéria de capa denuncia a promoção ao desembargo de uma juíza, Vera Souza,
que, com o concurso de uma já desembargadora, Marneide Merabet, ia possibilitar
que uma quadrilha de fraudadores roubasse 2,3 bilhões de reais da agência
central de Belém do Banco do Brasil.
A
mesma quadrilha tentou, sem sucesso, aplicar o golpe em Maceió, Florianópolis e
Brasília. Foi rechaçada pelas justiças locais. Em Belém encontrou abrigo certo.
Afinal, também não foi promovida ao topo da carreira uma juíza, Maria Edwiges
de Miranda Lobato, que mandou soltar o maior traficante de drogas do Norte e
Nordeste do país. O ato foi revisto, mas a polícia não conseguiu mais colocar
as mãos no bandido e no seu guarda-costas. Punida com mera nota de censura
reservada, a magistrada logo em seguida subiu ao tribunal.
Foi
esse o tribunal que teve todas as oportunidades de reformar a iníqua, imoral e
ilegal sentença dada contra mim por um juiz que só atuou na vara por um dia, só
mandou buscar um processo (o meu), processo esse que não estava pronto para ser
sentenciado (nem todo numerado se achava), levou os autos por sua casa no fim
de semana e só o devolveu na terça-feira, sem se importar com o fato de que a
titular da vara (que ainda apreciava a questão) havia retornado na véspera,
deixando-o sem autoridade jurisdicional sobre o feito. Para camuflar a fraude,
datou sua sentença, de quatro laudas, em um processo com mais de 400 folhas,
com data retroativa à sexta-feira, quatro dias antes. Mas não pôde modificar o
registro do computador, que comprovou a manobra.
De
posse de todos os documentos atestando os fatos, pedi à Corregedoria de Justiça
a instauração de inquérito contra o juiz Amílcar Bezerra. A relatora,
desembargadora Carmencim Cavalcante, acolheu meu pedido. Mas seus pares do
Conselho da Magistratura o rejeitaram. Eis um caso a fortalecer as razões da
Corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, contra o corporativismo, que
protege os bandidos de toga.
Apelei
para o tribunal, com farta documentação negando a existência do ilícito, já que
a grilagem de terras não só foi provada como o próprio judiciário paraense
demitira, por justa causa, os serventuários de justiça que dela foram cúmplices
no cartório de Altamira. O escândalo se tornara internacional e, por serem
federais partes das terras usurpadas, o interesse da União deslocou o feito
para a justiça federal, que acolheu as razões do Ministério Público Federal e
anulou os registros fraudulentos no cartório de Altamira, decisão ainda
pendente de recurso.
O
grileiro morreu em maio de 2008. Nesse momento, vários dos meus recursos, que
esgotavam os instrumentos de defesa do Código de Processo Civil, estavam sendo
sucessivamente rejeitados. Mas ninguém se habilitou a substituir C. R. Almeida.
Nem herdeiros nem sucessores. Sua advogada continuou a funcionar no processo,
embora a morte do cliente cesse a vigência do contrato com o patrono. E assim
se passaram dois anos sem qualquer manifestação de interesse pela causa por
parte daqueles que podiam assumir o pólo ativo da ação, mas a desertaram.
A
deserção foi reconhecida pelo juiz titular da 10ª vara criminal de Belém, onde
o mesmo empreiteiro propusera uma ação penal contra mim, com base na extinta
Lei de Imprensa. Passado o prazo regulamentar de 60 dias (e muitos outros 60
dias, até se completarem mais de dois anos), o juiz declarou minha
inimputabilidade e extinguiu o processo, mandando-o para o seu destino: o
arquivo (e, no futuro, a lata de lixo da história). Na instância superior, os
desembargadores se recusavam a reconhecer o direito, a verdade e a lei. Quando
a apelação estava sendo apreciada e a votação estava empatada em um voto, a
desembargadora Luzia Nadja do Nascimento a desempatou contra mim, selando a
sorte desse recurso.
A
magistrada não se considerou constrangida pelo fato de que seu marido, o
procurador de justiça Santino Nascimento, ex-chefe do Ministério Público do
Estado, quando secretário de segurança pública, mandou tropa da Polícia Militar
dar cobertura a uma manobra de afirmação de posse do grileiro sobre a área
cobiçada. A cobertura indevida foi desfeita depois que a Polícia Federal
interveio, obrigando a PM a sair do local.
Pior
foi a desembargadora Maria Rita Xavier. Seu comportamento nos autos se revelou
tão tendencioso que argüi sua suspeição. Ao invés de decidir de imediato sobre
a exceção, ela deu sumiço à minha peça, que passei a procurar em vão. Não a
despachou, não suspendeu a instrução processual e não decidiu se era ou não
suspeita. Ou melhor: decidiu pelos fatos, pois continuou impávida à frente do
processo.
Meus
recursos continuaram a ser indeferidos ou ignorados, quando alertava a relatora
e os desembargadores aos quais meus recursos foram submetidos sobre a ausência
do pólo ativo da ação e de poderes para a atuação da ex-procuradora do morto,
que, sem esses poderes, contra-arrazoava os recursos.
Finalmente
foi dado prazo para a habilitação, não cumprido. E dado novo prazo, que,
afinal, contra a letra da lei, permitiu aos herdeiros de C. R. Almeida dar
andamento ao processo (e manter o desejo de ficar com as terras) para obter
minha condenação. Nesse martírio não lutei contra uma parte, mas contra duas,
incluindo a que devia ser arbitral.
Voltar
a ela, de novo? Mas com que crença? Quando, quase 20 anos atrás, me apresentei
voluntariamente em cartório, sem esperar pela citação do oficial de justiça
(gesto que causou perplexidade no fórum, mas que repeti outras vezes) para me
defender da primeira das 33 ações sucessivamente propostas contra mim (19 delas
pelos donos do maior conglomerado de comunicação da Amazônia, afiliado à Rede
Globo de Televisão), eu acreditava na justiça do meu Estado. Continuo a crer em
muitos dos seus integrantes. Mas não na estrutura de poder que nela funciona,
conivente com a espoliação do patrimônio púbico por particulares como o voraz
pirata fundiário Cecílio do Rego Almeida.
Por
isso, decidi não mais recorrer. Se fui submetido a um processo político, que
visa me destruir, como personagem incômodo para esses bandidos de toga e as
quadrilhas de assalto ao bem coletivo do Pará, vou reagir a partir de agora
politicamente, nos corretos limites da verdade e da prova dos fatos, que sempre
nortearam meu jornalismo em quase meio século de existência.
Declaro
nesta nota suspeito o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que não tem
condições de me proporcionar o devido processo legal, com o contraditório e a
ampla defesa, que a Constituição do Brasil me confere, e decide a revelia e
contra os fatos.
Se
o tribunal quer minha cabeça, ofereço-a não para que a jogue fora, mas para
que, a partir dela, as pessoas de bem reajam a esse cancro que há muitos anos
vem minando a confiabilidade, a eficácia e a honorabilidade das instituições
públicas no Pará e na Amazônia.
O
efeito dessa decisão é que, finalmente, para regozijo dos meus perseguidores,
deixarei de ser réu primário. Num país em que fichas de pessoas se tornam
imundas pelo assalto aos cofres do erário, mas são limpas a muito poder e
dinheiro, serei ficha suja por defender o que temos de mais valioso em nosso
país e em nossa região.
Como
já há outra ação cível – também de indenização – em fase de execução, a perda
da primariedade me causará imensos transtornos. Mas, como no poema hindu, se
alguém tem que queimar para que se rompam as chamas, que eu me queime.
Não
pretendo o papel de herói (pobre do país que precisa dele, disse Bertolt Brecht
pela boca de Galileu Galilei). Sou apenas um jornalista. Por isso, preciso,
mais do que nunca, do apoio das pessoas de bem. Primeiro para divulgar essas
iniqüidades, que cerceiam o livre direito de informar e ser informado,
facilitando o trabalho dos que manipulam a opinião pública conforme seus
interesses escusos.
Em
segundo lugar, para arcar com o custo da indenização. Infelizmente, no Pará,
chamar o grileiro de grileiro é crime, passível de punição. Se o guardião da
lei é conivente, temos que apelar para o samba no qual Chico Buarque grita:
chame o ladrão, chame o ladrão.
Quem
quiser me ajudar pode depositar qualquer quantia na conta 22.108-2 da agência
3024-4 do Banco do Brasil, em nome do meu querido irmão Pedro Carlos de Faria
Pinto, que é administrador de empresas e fiscal tributário, e assim administrará
esse fundo. Essa conta estava em vias de fechamento, mas agora servirá para que
se arque com esse constrangedor ônus de indenizar quem nos pilha e nos
empobrece, graças à justiça.
Farei
outros comunicados conforme as necessidades da campanha que ora se inicia.
Espero contar com sugestões, opiniões e avaliações de todos que a ela se
incorporarem. Convido-os a esta tarefa difícil e desgastante de não se acomodar
na busca de um mundo melhor para todos nós.
Belém (PA), 14 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoa
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