País assumiu posição anti-Teerã em um órgão das Nações Unidas pela primeira vez em 8 anos
Diplomacia brasileira nega contraposição ao governo iraniano, mas é assim que os opositores dele, realizados, o veem
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Pela primeira vez em oito
anos, o Brasil votou ontem
contra o Irã em um organismo da ONU, o Conselho de
Direitos Humanos.
O conselho aprovou por 22
votos a favor, 7 contra e 14
abstenções a designação de
um relator especial para investigar denúncias de violações de direitos humanos no
país. A Folha antecipou o voto no último dia 3 de março.
Trata-se de uma sinalização de mudança no governo
Dilma Rousseff em relação
ao de Lula, que vinha evitando críticas ao Irã.
Ontem, em entrevista à
Folha, o chanceler de Lula,
Celso Amorim, disse que não
apoiaria a resolução se estivesse no governo.
A única vez em que Lula ficou contra o Irã foi em 2003,
quando a 3ª Comissão da Assembleia Geral (bem menos
importante), apontou violações aos direitos humanos
com base em relatórios de
enviados ao país. Desde então, foram sete abstenções.
Já no conselho e na sua
antecessora, a Comissão de
Direitos Humanos, o Brasil
votou a favor de relatores durante os anos 90, mas vinha
se abstendo desde 2001,
"com base no compromisso
assumido pelo governo iraniano de aperfeiçoar sua
cooperação com o sistema",
segundo a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo.
De fato, de 2001 a 2005,
houve seis visitas de relatores ao Irã, mas a cooperação
foi interrompida a partir da
chegada ao poder do presidente Mahmoud Ahmadinejad, o que levou agora ao voto a favor. À Folha, a embaixadora foi mais direta: "O voto não é contra o Irã, mas a favor do sistema de direitos humanos da ONU".
IRANIANOS
Agora, não há sanções,
mas investigação. Foi nessa
linha a conversa que Maria
Nazareth teve com o embaixador iraniano, Sayed Sajjadi, antes da votação.
Explicou que o Brasil é tão
aberto que, nos quatro anos e
meio de vida do conselho, recebeu ao menos 16 relatores.
Não deve ter convencido
Sajjadi, que em seu pronunciamento negou, como era
previsível, que o Irã desrespeite os direitos humanos e
não coopere com os organismos internacionais.
"O enfoque do Irã na promoção e proteção dos direitos humanos é baseado na
sua religião e na sua cultura", disse o embaixador.
Já a embaixadora dos
EUA, Eileen Chamberlain
Donahoe, cumprimentou a
brasileira pelo voto, mas ouviu um pedido: "Me ajude,
Eileen. Precisamos aplicar o
mesmo em outras situações
de não cooperação".
Maria Nazareth não citou
países nessa condição, mas a
página da alta comissária para os direitos humanos deixa
claro que Israel, aliado dos
EUA, é um deles.
Por mais que a diplomacia
brasileira diga que não é um
voto anti-Irã, é assim que ele
é percebido ao menos pela
oposição iraniana.
"É uma forte mensagem de
apoio ao povo iraniano", reagiu Shirin Ebadi, Nobel da
Paz em 2003.
A Campanha Internacional por Direitos Humanos no
Irã disse que foi de "particular importância" o Brasil ter
votado contra o país.
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