domingo, 1 de dezembro de 2013

O fim do tabu: capitalismo estatal fica estável ou sobe nos emergentes

Na América Latina, só dois países privatizaram suas empresas de petróleo nos anos 1990: Bolívia (YPFB) e Argentina (YPF), e neste século reverteram sua decisão.


Era uma vez o Consenso de Washington, que provocou uma onda de privatizações por quase toda a América Latina na década de 1990. Eram tempos da queda do comunismo na Europa Oriental e de apogeu de políticas econômicas neoliberais. Mas no século 21, com a ascensão da China e suas empresas públicas na economia mundial, o capitalismo de Estado deixou de ser um tabu. Alguns países sul-americanos embarcaram em nacionalizações, como Venezuela, Bolívia e Argentina; outros fortaleceram empresas públicas existentes, como a brasileira Petrobras; mas há países como o México onde vigora um monopólio estatal do petróleo - Petróleos Mexicanos (Pemex) - que o presidente Enrique Peña Nieto se propõe abrir ao capital privado sem renunciar à titularidade estatal das explorações.

Mas não é o mesmo capitalismo de Estado na China, onde as empresas abriram parte de seu capital na Bolsa e por ordem do regime começaram a se expandir pelo mundo, ou na Rússia, onde as privatizações foram generalizadas, com exceções como a Gazprom. Na Índia e na Ásia-Pacífico, a presença do Estado na economia foi importante na industrialização dos países. No mundo árabe, não só as petrolíferas são estatais, como também empresas como a química saudita Sabic ou a companhia aérea Emirates. As empresas sob controle estatal representam 80% da capitalização do mercado de valores chineses e mais de 60% do russo, enquanto chegam a apenas 35% no Brasil.

Na América Latina, só dois países privatizaram suas empresas de petróleo nos anos 1990: Bolívia (YPFB) e Argentina (YPF), e neste século reverteram sua decisão. No caso da YPF, o Estado desapropriou os 51% que tinha a Repsol e os restantes 49% continuam sendo privados (o grupo espanhol mantém 12%). Há petrolíferas 100% estatais como a Petróleos de Venezuela (PDVSA), a Petroecuador ou a YPFB e outras que abriram seu capital na Bolsa mas continuam controladas pelo Estado, como a Petrobras (64%) ou a colombiana Ecopetrol (90%).

No âmbito da mineração, o Chile sempre manteve sua estatal Codelco, uma exceção na região. Nos últimos anos a Venezuela nacionalizou empresas industriais e de serviços, enquanto a Bolívia e a Argentina concentraram suas reestatizações no setor terciário. No ano passado a Corporação Andina de Fomento (CAF) destacou em um relatório a boa gestão de empresas estatais da região, como Petrobras, Codelco, a energética colombiana Isagen, o canal de Panamá, a peruana Corporação Fonafe e as Empresas Públicas de Medellín (EPM).

O economista Nouriel Roubini, o guru da crise, opina que o capitalismo de Estado ajudou na etapa inicial de desenvolvimento dos países emergentes, mas agora impede os aumentos de produtividade e é uma das razões da desaceleração desses mercados. Outros analistas detectam por trás dessa crítica um viés ideológico ou interesses econômicos privados. Em todo caso, a força das empresas estatais é uma realidade: 19 das cem maiores companhias do mundo o são, assim como 28 das cem maiores dos mercados emergentes. Não há mais tantas empresas estatais na América Latina como nos anos 1980, mas o debate sobre seu papel se reabriu.

"Comparar a China com a Venezuela é como comparar pêras com vacas", esclarece Andrés López, professor nas Universidades de Buenos Aires e de San Andrés (Argentina). "Em um país subdesenvolvido, a presença do Estado é importante na hora de fomentar o surgimento de setores modernos, o que não significa qualquer tipo de intervenção. O caso da Venezuela me espanta. Em troca, a Petrobras gasta um montão em pesquisa e desenvolvimento. E a Petrobras não é a mesma coisa que a Pemex, que todo mundo indica que é um desastre. A pergunta não é se tenho petroleira estatal ou não, e sim se a administro com critérios de eficiência, produtividade ou para fins políticos", opina López.

O economista chileno Andrés Solimano, presidente do Centro Internacional de Globalização e Desenvolvimento, observa que as renacionalizações da Venezuela ou Bolívia foram "um antídoto para as privatizações" dos anos 1990. "Nas empresas estatais há uma certa lógica redistributiva. A PDVSA financia programas sociais. Também são usadas para a fixação de preços e para subsidiar o consumo interno.

Além disso, dão receitas para o Estado para o gasto público em geral. Mas também há uma certa lógica nacionalista, de impedir que as empresas europeias ou americanas abarquem os recursos naturais", descreve Solimano. Na opinião dele, o desafio está em uma "boa governabilidade, ter cuidado com os conflitos de interesses, porque o Estado deve ser submetido ao controle social".

Óscar Dancourt, ex-presidente do Banco Central do Peru, entra na discussão a partir da experiência de seu país: "Pode-se ter crescimento alto e inflação baixa, com diferentes modelos de crescimento. O tivemos quando havia muitas empresas estatais e também quando estas se reduziram ao mínimo nos anos 2000. Onde há diferenças é na distribuição de renda. Se alguém tem empresas estatais no setor primário exportador, e são bem conduzidas, a participação na renda das matérias-primas é maior". No entanto, Dancourt adverte: "Na China e em outros países asiáticos as estatais foram uma alavanca para industrializar e diversificar o aparelho produtivo, mas não na América Latina".

Antonio Prado, secretário-executivo adjunto da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), lembra que a região recuou no caminho da participação do Estado na produção de bens e serviços na década de 1990. "A intensidade desse processo de privatização variou de um país para outro. E os resultados também foram muito variados, por país e por setor de atividade, o que dificulta uma avaliação de conjunto", salienta. "Em todo caso, o fenômeno não parece ser tão abrangente para se atribuir a ele a responsabilidade pela desaceleração econômica."

Carlos Quenan é vice-presidente do Instituto das Américas em Paris. "Hoje em dia, nem os países mais liberais têm o discurso dos anos 90 de que a chave mestra é privatizar, liberalizar mercados. Em alguns casos se avança na ideia de constituir esse capitalismo de Estado com um setor importante de empresas públicas, como na Venezuela. Há países com uma tradição mais liberal, como o Chile, onde continua havendo um setor estatal fundamental como a Codelco", diz. Quenan lembra que as estatizações da Venezuela ou Bolívia foram pagas com o dinheiro da bonança dos preços das matérias-primas, mas se esse ciclo terminar abre-se uma incógnita sobre a tendência.

Alejandro Rebossio

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