Nossa política econômica enfrenta um dilema extremamente sério. Deve elevar, ou não, a taxa de juros real para gerar algum desemprego e, assim, reduzir a perturbadora taxa de inflação, que teima em namorar com o limite superior da meta inflacionária? Por um lado, é claro que se trata de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda globais, que poderia ser minorado pela redução da demanda pública. Por outro, não é menos claro que, ainda que estejamos com um baixo grau de desemprego, a economia está crescendo muito pouco e abaixo da sua capacidade.
Isso fala a favor de uma estagnação da produtividade total dos fatores, produzida pelo aparentemente passageiro choque de oferta da agricultura, pelo evidente problema estrutural do mercado de trabalho, pela mudança induzida pela taxa de câmbio no comportamento dos setores industrial e de serviços e pela visível deterioração da infraestrutura que há três décadas esteve abandonada.
Ainda que a relação empírica entre taxa de desemprego e a taxa de inflação seja pouco precisa ela é, em geral, negativa. Isso sugere que a resposta da demanda global e da oferta global ao aumento da taxa de juros real seria no sentido de reduzir as duas, produzindo menor taxa de inflação, menor PIB e maior desemprego.
A política monetária não é independente das consequências sociais
Devido à complexidade do nosso problema inflacionário, à visível volatilidade da economia mundial, à esperança de que o choque de oferta da agricultura seja corrigido pelo menos em parte pela nova safra e diante do enorme custo social da medida, é compreensível a atitude de cautela da autoridade monetária. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central não pode e não deve apressar-se, mas deve estar preparado para implementá-la. É preciso lembrar que a redução permanente da taxa de inflação no Brasil para limites civilizados está longe de poder ser resolvida apenas pela manipulação da taxa Selic. Exige uma ação coordenada de todo o governo e o suporte de toda a sociedade na redução dos benefícios ilegítimos de que se apropriaram amplos grupos dos setores público e privado.
Estamos vivenciando um problema antigo, que põe em confronto a economia, ou seja, medidas econômicas razoavelmente apoiadas em construções teóricas e pesquisas empíricas, e os problemas do seu custo social, de que cuida a política no sentido geral. Isso se deve ao fato de que a economia é uma disciplina que esconde suas incertezas com letras gregas e apresenta rigor matemático, mas que, no fim e ao cabo, continuam incertezas...
Quando contratamos um competente engenheiro para projetar uma ponte com um dado coeficiente de ignorância, sabemos que ela vai dar conta de sua função despachando o tráfego estimado. O processo termina com sucesso, sem que seja necessário consultar o cimento, a areia, o ferro que conformaram a ponte. Quando a sociedade entrega a política monetária ao mais competente de seus economistas, cujo domínio sobre a disciplina é indisputado, o problema é mais complexo.
As regularidades econômicas não são invariantes no tempo como as leis da física (seu mundo não é ergódico). e os objetos de sua ação não são ponto sem dimensão num espaço topológico. São indivíduos que aprendem, protestam, reagem e no fim, votam! A ponte é uma obra morta e segura. A política monetária é um jogo vivo, dinâmico e sujeito às fraquezas de ambos os atores. Isso sugere que ela não é, e nem pode ser, independente das suas consequências sociais, que são objeto da política em geral e, nos regimes democráticos, da urna, em particular...
Como é evidente, nem a solução proposta por assessores econômicos, que aviam as receitas sem consideração dos seus custos sociais, defendida por economistas que se supõem portadores de uma "ciência monetária", nem as propostas "sociais" sustentadas por mal disfarçada ideologia, que ignoram as relações econômicas (por mais imperfeitas que sejam), podem levar à construção de uma sociedade civilizada e eficiente.
Essa questão acaba de receber a contribuição de dois brilhantes economistas. Eles estão construindo uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento econômico e social, incorporando à economia a história, a geografia, a antropologia, a sociologia, a psicologia e a política, em modelos simples e quantificáveis. O último artigo da dupla Daron Acemoglu-James Robinson ("Economics versus Politics: Pitfalls of Policy Advice", Fev., 2013) é rigorosamente imperdível.
O objeto do artigo pode ser resumido na proposição que "a análise econômica deve identificar, teórica e empiricamente, as condições sobre as quais a política e a economia entram em conflito e, então, avaliar as ações da política econômica levando em conta tal conflito, junto com as potenciais reações às quais ela levará".
Como em todos os seus trabalhos, os argumentos são sofisticados e logicamente construídos. Mostram que nem sempre, apesar de ser consenso entre os economistas, "a redução ou remoção das falhas e distorções do mercado deve ser recomendada". Como argumentam no artigo, "essa conclusão é muitas vezes incorreta, porque ignora a política"... e... "reformas econômicas executadas sem um amplo entendimento das suas consequências, em lugar de promover a eficiência, podem reduzi-la significantemente".
Não deixem de ler a convincente análise do papel dos sindicatos (que os economistas consideram uma "falha de mercado" e combatem) na construção do processo democrático.
Bom apetite!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br
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