No momento em que os eleitores discutem o projeto de separação que pode
transformar o Pará em três e está trazendo à ribalta problemas
históricos do Estado, o governador Simão Jatene colocou lenha na
fogueira das discussões sobre os reais benefícios que a exploração
mineral deixa aos paraenses.
Semana passada, enviou à Assembleia
um projeto de lei que prevê a cobrança de R$ 6 por tonelada de qualquer
minério extraído no Estado. Se transformado em lei, o projeto engordará
os cofres públicos em quase R$ 1 bilhão por ano, o equivalente a duas
vezes o que arrecadou com a venda das Centrais Elétricas do Pará
(Celpa), em 1998.
Com uma base aliada dividida em meio à campanha
separatista, Jatene afirma estar confiante de que o projeto passará,
sem dificuldades pelos deputados. Mas a proposta deve enfrentar reações
das empresas mineradoras, que já se articulam para conseguir a
declaração de inconstitucionalidade da taxa.
Na última sexta, o
governador recebeu o DIÁRIO para uma entrevista em que defendeu a
aprovação da proposta e comentou as razões que o levaram a, finalmente,
descer do muro e se manifestar publicamente sobre o plebiscito de 11 de
dezembro. A manifestação foi publicada em artigo na edição do último
domingo do DIÁRIO. Na entrevista, Jatene admite: se necessário, poderá
entrar de cabeça na campanha contra a divisão.
P: Como surgiu a ideia do projeto de cobrar taxa sobre a exploração mineral?R:
A ideia de que se precisa - pela própria dimensão que a mineração tem
para o Estado - ter mecanismos mais eficientes, claros, bem definidos de
controle e acompanhamento dessa atividade não é nova. Confesso que
desde o governo passado isso era algo sobre o que sempre se conversava.
Qual a melhor alternativa? Até porque se tinha uma discussão das
próprias mudanças que a União deveria fazer no sentindo de ter um
sistema melhor de controle e acompanhamento da exploração mineral.
P: Hoje essa é uma atividade sem controle do Estado?R: O que existe hoje é muito frágil.
P: É uma riqueza que está escorrendo pelo ralo?R:
É um bem [os minérios] absolutamente estratégico. E a sociedade não tem
mecanismos de controle eficientes, que possam contribuir para que
efetivamente esse bem se constitua num elemento de desenvolvimento.
P: Qual a relação entre o controle de que o senhor está falando e cobrança da taxa?R:
Essas duas coisas são absolutamente casadas. A taxa é um tributo que
normalmente tem dois fundamentos. Um deles é a contraprestação de um
serviço que o Estado oferece ao cidadão. Outra é o exercício do poder de
polícia, que é a própria essência do Estado. Temos uma riqueza que é de
toda a sociedade, que é estratégica, importante para o desenvolvimento
da sociedade. Nada mais razoável que se tenha fiscalização sobre
pesquisa, lavra e extração.
P: Como o governo chegou ao valor de R$ 6?R:
Um conjunto de cálculos foi feito para que não se inviabilizasse a
produção, não se perdesse competitividade, mas que se pudesse financiar
essas atividades que o Estado tem que desenvolver para que possa
efetivamente ter controle sobre a mineração.
P: Em Minas, eles têm um projeto semelhante, mas a taxa ficou em torno de R$ 2...R:
O projeto de Minas tem algumas diferenças. Apesar de termos conversado
sobre o tema. A nossa taxa vem colada a um cadastro. Em alguns casos, o
projeto define que os microempreendimentos estejam isentos da taxa, mas
não do cadastro.
P: Em Minas, a proposta é em torno de R$ 2 e no Pará de R$ 6. Por quê?R:
O projeto de Minas é diferente. Em Minas, tem a ver com a exportação ou
não. Alguns tipos de minérios estão isentos. No nosso caso, não. Será
tudo.
P: Mas por que R$ 6?R: Você já ouviu falar
de uma coisa chamada custo Amazônico? Para acompanhar e fiscalizar,
precisamos ter o controle e acompanhamento de uma atividade que é
pulverizada e vai exigir, em todo território, a presença do Estado com
uso de tecnologia que permita efetivamente acompanhar a atividade.
P: Quanto essa cobrança vai render ao Estado?R: Em torno de R$ 800 milhões por ano.
P: Esse valor é quase três vezes a capacidade de investimento do Pará em 2011...R:
Foi um ano atípico. No meu último ano de governo, em 2006, investimos
cerca de R$ 1 bilhão e pouco. Infelizmente o Pará perdeu capacidade de
investimento, que a gente está recuperando.
P: Esse dinheiro não fará grande diferença na capacidade de investimento?R: Não só na capacidade de investimentos. Faz uma grande diferença no exercício da gestão pública.
P: É forma de pressionar a União a resolver os problemas da lei Kandir?R: Não tem nenhuma vinculação. Eu continuo brigando para que a União resolva a questão.
P: Há controvérsia sobre a competência legal do Estado para instituir essa taxa...R:
Eu não tenho nenhuma dúvida quanto essa competência. Seria negar que o
Estado tem competência de cobrar taxas. Ninguém questiona as demais
taxas que o Estado cobra. Não pode existir controvérsia.E isso não tem
nenhuma relação com compensação da exploração dos recursos naturais.
Para isso existe a CFEM [Compensação Financeira pela Exploração de
Recursos Minerais].
P: Em Minas, o governo tem tido dificuldade para aprovar o projeto...R:
Esse é um anseio antigo da sociedade paraense E minha expectativa é de
que a Assembleia aprove essa taxa para que possa vigorar já a partir do
ano que vem.
P: O senhor está preparado para uma batalha jurídica em torno do projeto?R: Para dizer que ele é inconstitucional teriam que desqualificar isso como taxa e chamar de outra coisa que ela não é.
P: Esse projeto não pode ser um fator de atrito entre o Estado e a Vale?R: Espero que não. Pelo contrário. Eu acho que toda empresa moderna deve desejar que a sua atividade passe pelo controle social.
P:
No último domingo, o senhor divulgou artigo manifestando pela primeira
vez, publicamente, sua posição sobre a divisão do Pará. Por que se
manifestar nesse momento?R: Desde que se começou a discutir
essa história, eu ponderei sempre algumas coisas. A primeira delas é que
isso é uma coisa tão séria que tem que ser tratada com muita, mas muita
responsabilidade, sem açodamento. O plebiscito é um instrumento
fantástico de participação, mas o voto é tanto mais democrático quanto
mais as pessoas souberem efetivamente sobre o que estão votando, sob
pena de o voto acabar se constituindo elemento de chancela ou aval do
desejo de grupos de interesses.
P: Não há informação suficiente sobre o assunto?R: Eu acho que essa é uma das questões mais sérias.
P: Então repito: por que se manifestar agora?R:
Os programas foram seguindo uma escala de agressividade. Eu sempre
disse que eu estava preocupado com dia da eleição, do plebiscito, mas
não poderia deixar de ter uma atenção especial com o dia seguinte. No
rumo que a campanha tomou, teremos mágoas e ressentimentos. Seja qual
for o resultado, vamos ter um dia seguinte, e vamos ter que ter
estratégias e projetos de desenvolvimento. Não conheço experiência bem
sucedida de desenvolvimento em que autoestima do povo não seja um
combustível fundamental. A campanha vinha na direção de quase destruir
essa autoestima.
P: O que o levou a se manifestar foi o tom dos programas eleitorais?R:
Claro. Se a minha preocupação, como governador, é com o dia da votação,
mas, sobretudo, com o dia seguinte, tenho o dever de preservar a
unidade do povo.
P: Mas se o objetivo da campanha do Sim é
mostrar que dividir o Estado será melhor, não é natural mostrar que do
jeito que está é ruim?R: Acho que você pode fazer propostas,
indicar coisas, mas tendo compromisso com a verdade. Quer um exemplo
claro? A história do FPE [Fundo de Participação dos Estados]. Desafio
que qualquer pessoa com compromisso com a verdade e bom senso possa
dizer que depois de 2012 o FPE vai ser assim ou assado. Existe uma
determinação legal de que durante 2012 vamos ter que redefinir os
critérios de distribuição. Como posso aceitar que se engane a população
dizendo que vai crescer em R$ 3 bilhões? Isso não tem nenhum fundamento.
P: O senhor se sente pessoalmente atingido pelos programas eleitorais do sim?R: De jeito nenhum.
P: Eles mostram um Estado arrasado...R:
Essa não é uma questão pessoal. É uma questão de povo. O Pará está
vivendo seu maior desafio. Estamos sendo cobaias. Um plebiscito que se
define sem que antes se saiba quem irá votar... Isso só foi resolvido
depois. Existem hoje mais de 20 projetos de redivisão. Precisamos pensar
o que está por trás disso.
P: O senhor vai entrar de cabeça na campanha?R:
O que me motivou [refere-se ao artigo] foram a agressões ao povo do
Pará. Não posso, como governador, aceitar que a nossa gente seja tratada
como um detalhe.
P: Repito: o senhor poderá entrar de cabeça na campanha?R: Não pensei sobre isso.
P: Se for preciso, se as pesquisas indicarem?R:
Se houver agressão, à nossa gente, eu não vou poder deixar de entrar.
Terei necessariamente [que participar da campanha do não] porque esse é
meu papel.
P: Aliados reclamaram...R: Não posso
aceitar qualquer medida que possa provocar, contribuir, promover ou
levar a que o debate sobre a divisão se transforme na divisão do povo.
P: O senhor foi acusado de ter feito promessa de se manter neutro e não ter cumprido...R: Se existe alguém que tem quase obsessiva preocupação com a coerência... Confesso que sou assim.
P: Mas fato é que o senhor disse que ia manter-se neutro...R:
Não. Eu disse sempre que achava que não poderia contribuir para que a
divisão levasse à ruptura de laços que a nossa gente tem. Na hora em que
a campanha vem promovendo essa ruptura, não dizer nada é que seria
incoerente.
P: E o relacionamento com a base aliada, como anda?R:
Muito bom. Não tenho dificuldade de conversar com qualquer parlamentar.
Independente de divisão ou não, todos temos compromisso com a
população.
P: O senhor espera retaliações na Assembleia?R: Nem me passa pela cabeça.
P: Os deputados na campanha do sim devem temer retaliações pós-plebiscito?R: Jamais. Sou uma pessoa rigorosamente democrática.
P: O não vai vencer?R:
Prefiro não me manifestar. Quero só dizer que continuo preocupado com o
dia seguinte. Espero que as duas campanhas tenham maturidade e
equilíbrio para mostrar pontos de vista sem agressões. (Diário do Pará)