terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Copenhage (COP-15) - O desenvolvimento da miséria ou a miséria do desenvolvimento



A questão da mudança climática é apenas um efeito do modelo de desenvolvimento perverso que prevalece até hoje. A crise é mais profunda e está afectando a própia existência da vida no planeta. Veja parte de um artigo sobre o tema.


O MODELO DO DESENVOLVIMENTO ESGOTADO: DA TRAGÉDIA DE HARDIN AO COLAPSO DE DIAMOND

São diversos os autores que já mostraram a essência da crise do modelo de desenvolvimento. Alguns deles (HARDIN, 1968; BECK, 2000; LATOUCHE, 2003, DIAMOND, 2007), enfocando épocas e realidades distintas, chegam a conclusões parecidas sobre esta crise, não apenas das economias desenvolvidas, como também dos países em desenvolvimento. O problema é bem mais profundo do que apenas uma questão de conceito de modelo de crescimento e de desenvolvimento.

A ameaça de esgotamento de recursos que são a base da vida do planeta foi enfaticamente alertada por Garret Hardin nos anos 1960, embora muito do fundamento de suas idéias já tivesse sido anunciado por Thomas Malthus um século antes. Hardin (1968) definiu "tragédia dos bens comuns" como a utilização desordenada e competitiva dos recursos naturais que, ao mesmo tempo em que pertencem a todos, não pertencem a ninguém em particular. O autor se refere também ao problema da superpopulação, para a qual não existe uma solução técnica. Isso quer dizer que essa é uma questão que não será resolvida apenas com o uso da tecnologia. A população tende a crescer exponencialmente e a parcela de bens que existem no mundo, que é limitada, deve, necessariamente, decrescer. Desse modo, a conclusão é a de que um mundo limitado somente pode suportar uma população também limitada.

Nossa visão dessa realidade são os grandes aglomerados de imigrantes que procuram emprego nas cidades e nos grandes centros urbanos, causando enormes impactos na infra-estrutura, invadindo espaços públicos, gerando favelas (pela necessidade de moradia). Ao colocar em risco a saúde e a vida da população, configuram uma verdadeira “tragédia dos bens comuns”, que está agravando a crise do planeta. Há também inúmeros exemplos dessa tragédia no uso da biodiversidade, como revela a sua crescente destruição causada pela ação de empresas madeireiras, por atividades que provocam queimadas de florestas e pelo uso de recursos naturais que, na condição de bens públicos, estão velozmente dilapidados pela ação humana.

Essa prática, longe de ter sido minorada no decorrer do tempo, se amplia cada vez mais.
Além do crescimento populacional exacerbado, quando a disponibilidade de recursos materiais e físicos é finita, as causas dessa tragédia, segundo Hardin (op. cit.), passam pela supervalorização do “eu” em detrimento dos outros (sejam humanos ou não), de forma egocêntrica e antropocêntrica, resultando no declínio acelerado do bem-estar da sociedade. Assim, urge a necessidade de uma efetiva mudança nos “valores humanos”, pois, talvez, a solução da superpopulação mundial, conjugada com a distribuição eqüitativa dos recursos, repousaria sobre essa vertente.

A tragédia dos bens comuns revelada por Hardin (1968) nunca se mostrou tão evidente como nos dias atuais: a consolidação de um mundo capitalista e globalizado, baseado no consumismo como um fim último, no qual as ações e interesses de uma minoria privilegiada comprometem a prosperidade da civilização, são as melhores evidências dessa crise, daí a necessidade de fazer uma referência a essa base teórica para a tese.

Outra importante referência sobre esse tema vem do sociólogo Ulrich Beck (1999), que afirma que vivemos em um mundo fora de controle, em que não há nada seguro além da incerteza. Para o autor, a crise que afeta o conjunto da sociedade moderna produz uma “sociedade de risco”. Trata-se de expressão adotada para referir-se às incertezas não-quantificáveis e aos riscos que não podem ser mensurados. Nesse sentido, a sociedade de risco é a expressão maior das “incertezas fabricadas”. Essas “verdadeiras” incertezas, reforçadas por rápidas inovações tecnológicas e respostas sociais aceleradas, estão criando uma nova paisagem de risco global. A poluição moderna assume também um caráter global na sociedade de risco como uma ameaça de grandes conseqüências.

A novidade da sociedade de risco repousa no fato de que nossas decisões civilizacionais envolvem conseqüências e perigos globais, e isso contradiz radicalmente a linguagem institucionalizada do controle – e mesmo a promessa de controle – que é irradiada ao público global na eventualidade de catástrofe. Isso constitui precisamente a “explosividade” política da sociedade de risco. Essa “explosividade” tem seu centro na esfera pública da sociedade de massas e é midiatizada na política, na burocracia e na economia, embora não seja, necessariamente, contíguo a um evento específico ao qual esteja conectada. Isso significa que o que quer que seja feito em algum lugar do planeta pode afetar diretamente qualquer outro ponto do globo.

No entendimento de Beck,

[...] não sabemos se vivemos em um mundo algo mais arriscado que aquele das gerações passadas. “Não é a quantidade de risco, mas a qualidade do controle ou – para ser mais preciso – a sabida impossibilidade de controle das conseqüências das decisões civilizacionais que faz a diferença histórica.” Por isso, eu uso o termo “incertezas fabricadas”. A expectativa institucionalizada de controle, mesmo as idéias-chave de “certeza” e “racionalidade” estão em colapso. Não são as mudanças climáticas, os desastres ecológicos, ameaças de terrorismo internacional, o mal da vaca louca, etc. que criam a originalidade da sociedade de risco, mas a crescente percepção de que vivemos em um mundo interconectado que está se descontrolando (BECK, 1999).

Outra característica dessa sociedade é que ela tem como eixo axial não a distribuição de bens, mas a distribuição de riscos (LENZI, 2005). Riscos que têm conduzido à ruína muitos povos em diversos momentos históricos como muito bem documentado por Jarred Diamond em seu livro “O colapso”.

Diamond ressalta fatores mais importantes que, no passado, teriam determinado a queda de civilizações em diversos continentes. Eles podem servir de exemplo para a explicação do sucesso ou do fracasso de toda uma civilização, segundo aponta o autor. Apesar de que esses fatores não são atribuídos apenas a danos ambientais, conforme aponta Diamond (2007), ele menciona cinco causas que podem levar uma sociedade ao colapso. São elas: dano ao meio ambiente, mudança climática, relação com países vizinhos de cooperação ou de enfrentamento, e falta de políticas públicas dos governos e dirigentes. Dos cinco fatores referidos pelo Diamond, interessa ressaltar três, já que eles guardam relação direta com a realidade da floresta amazônica (DIAMOND, 2007, p. 27-32).

1. O dano que as próprias pessoas têm infringido ao meio ambiente. O autor aponta que a extensão e a reversibilidade de tal dano dependem, em parte, de propriedades inerentes às pessoas (p.ex., quantas árvores cortam por hectare a cada ano) e, em parte, de propriedades inerentes ao meio ambiente (p. ex., quantas sementes germinam por hectare e quão rapidamente as árvores crescem por ano).

Tais propriedades ambientais referem-se tanto à fragilidade quanto a resiliência (potencial para se recuperar dos danos sofridos). Portanto, o porquê de apenas certas sociedades sofrerem colapsos ambientais pode estar relacionado à imprudência de seus povos, à excepcional fragilidade de alguns aspectos do meio ambiente, ou ambos.

2. A mudança climática. O termo hoje tende a se associar com o aquecimento global provocado pelo homem. Na verdade, segundo afirma o autor, o clima pode ficar mais quente, mais frio, mais úmido ou mais seco, ou variável entre meses e anos, em razão de alterações de forças naturais que influenciam o clima e que nada têm a ver com os seres humanos (p.ex., erupções vulcânicas, mudanças de temperatura produzidas pelo Sol, mudanças de orientação do eixo da Terra, etc.). A questão central é: o colapso foi causado pelo impacto ambiental humano ou por mudanças climáticas naturais? Segundo o autor, o que demonstrou ser fatal para produzir o colapso foi a combinação da mudança climática com o impacto ambiental.

3. As respostas que as sociedades dão aos problemas, sejam ambientais ou não. Sociedades diferentes respondem de modo diferente a problemas semelhantes. A história mostra que muitas sociedades no passado tiveram problemas de desmatamento. Entre elas, as sociedades das terras altas de Nova Guiné, Japão, Tikopia e Tonga desenvolveram um manejo florestal bem-sucedido e continuaram a prosperar, enquanto Ilha de Páscoa, Mangareva e Groenlândia Nórdica não conseguiram um bom manejo florestal e, por isso, entraram em colapso. As razões para tal estão nas respostas que foram dadas pelas instituições políticas, econômicas e sociais, e de seus valores culturais. Dessa forma, aponta o autor, tais instituições e valores afetam o modo como as sociedades resolvem (ou tentam resolver) seus problemas.

O trabalho de Diamond (2007) ajuda a compreender a realidade da Amazônia atual, principalmente por sua abordagem metodológica comparativa, o que permite extrair importantes lições que podem servir de alerta para as sociedades atuais quanto ao rápido desmatamento que a Amazônia vem experimentando, particularmente, nos últimos 30 anos.

Como reflexão final desta seção pode-se afirmar que o trabalho desses autores é importante porque revela que a discussão sobre o crescimento industrial e populacional, bem como os impactos e a crise que provocam no meio ambiente, não é recente. Todavia, essas questões vêm se agravando, conforme revelado pelos diferentes fóruns que tratam do tema.

Como afirma Nascimento (2007), “do ponto de vista formal, é simples – a eficiência econômica só tem valor se conservar a natureza e produzir eqüidade social. Esta é a nova moda do desenvolvimento”. Entretanto, segundo o autor,

[...] o crescimento econômico, em conformidade com o padrão de consumo vigente no mundo desenvolvido, provoca destruição ambiental e gradativamente se torna inviável, sobretudo na perspectiva de expansão desse estilo de vida. Não há qualquer possibilidade de generalizar o estilo de vida norte-americano. Não há eqüidade social em uma economia de mercado. Esta pode até existir, aqui e ali, mas a desigualdade persiste e tende a crescer (NASCIMENTO, 2007, p. 8-9).

Dessa forma, segundo aponta Latouche (2003), depois de algumas décadas de desperdício frenético, parece que entramos na zona das tempestades – no sentido próprio e no figurado. As perturbações climáticas são acompanhadas pelas guerras do petróleo, que serão seguidas pela guerra da água, mas também por possíveis pandemias, desaparecimento de espécies vegetais e animais essenciais, como conseqüência de catástrofes biogenéticas previsíveis.

A sociedade de crescimento não é desejável, pelo menos por três razões: produz um aumento das desigualdades e das injustiças, cria um bem-estar amplamente ilusório, e não promove, para os próprios “favorecidos”, uma sociedade convivial, mas uma anti-sociedade doente em razão de sua riqueza (LATOUCHE, 2003).

Segundo Latouche (op. cit.), a elevação do nível de vida de que pensa se beneficiar a maioria dos cidadãos do hemisfério norte é cada vez mais ilusória. É claro que gastam mais, no que tange a compra de bens e serviços, mas esquecem de deduzir a elevação superior dos custos. Esta última assume formas diversas, mercantis e não-mercantis: degradação da qualidade de vida – não-quantificada, mas sofrida (ar, água, meio ambiente) –, despesas de “compensação” e de reparação (medicamentos, transportes, lazer), que se tornaram necessárias na vida moderna, elevação dos preços dos artigos escassos (água engarrafada, energia, espaços verdes).

Conforme aponta Latouche (op. cit.).

O crescimento pelo crescimento torna-se o objetivo primordial, senão o único da vida, na sociedade capitalista, o que acarreta uma degradação progressiva do ambiente e dos recursos globais. Vivemos, atualmente, às vésperas de catástrofes previsíveis (LATOUCHE, 2003, p. 1).

No item que se segue são apresentadas algumas reflexões críticas ao desenvolvimento. Discutiremos também as teorias convencionais do desenvolvimento da economia neoclássica, que privilegia o mercado como o grande regulador da natureza, sem incorporar as variáveis de esgotamento dos recursos e das conseqüências que o livre jogo do mercado provoca.

Fonte: (G. ENRIQUEZ, 2008)

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