Estamos num momento muito importante. Ele definirá qual será nosso futuro nos próximos quatro anos e deixará marcas na nossa história até o fim dos tempos. As próximas gerações vão continuar a "ler" na evolução gráfica do nosso PIB os seus instantes de "avanços" e de "retrocessos". Todo o resto que hoje parece sólido, o tempo dissolverá: os erros e os acertos das políticas sociais e econômicas voluntaristas, os bônus ou os ônus externos, os exageros monetários, fiscais, salariais e cambiais, os argumentos falaciosos, a contabilidade "criativa", as tentativas de violações das identidades da contabilidade nacional e os desmandos administrativos praticados em gigantescas empresas estatais. Até os bons resultados e as críticas impertinentes serão esquecidos.
A grande certeza - comprovada por nosso passado - é que tudo será corrigido, com custos maiores ou menores, dependendo da inteligência e da aceitação da realidade por parte do renovado poder incumbente. No eletrocardiograma dos períodos de FHC, de Lula e de Dilma, só restará o crescimento do PIB e, talvez (apenas talvez), um registro mais leve dos avanços nas políticas que incentivaram o aumento da igualdade de oportunidade. O fato é que nem estas, nem o Brasil foram descobertos em 1994! A crueldade estatística é que as escaras produzidas no indicador do PIB, não importa se por má sorte ou pelas contradições entre a política social e a econômica, não desaparecerão. São perdas definitivas que atrasaram nosso avanço relativo na construção da sociedade civilizada. O governo Dilma Rousseff terá registro por muitos motivos, mas será lembrado, de 2018 em diante, pela marca que deixar no PIB. No período FHC, o PIB cresceu pouco: 2,3% ao ano. No período Lula, melhorou: 4,1% ao ano. No período 2011-2014, apenas 1,6% ao ano. A herança do primeiro mandato é pesada. Para repetir a pobre performance do PIB total de FHC, será preciso crescer pelo menos 12% no período 2015-2018, ou seja, 3% ao ano, em média, o que não parece tarefa trivial.
É tempo, portanto, de enfrentar fatos elementares incontornáveis:
Governo Dilma será lembrado pela marca que deixar no PIB
1) Que para a sociedade não existe nada que não consuma recursos. A passagem grátis de ônibus do Paulo nem é seu "direito", nem é "dever" do Estado: ela será, necessariamente, paga pelo Pedro. O Estado, que tem o monopólio da força, pode obrigar a transferência do custo cobrando imposto do Pedro e registrando o subsídio do Paulo no orçamento. Mas isso tem um limite na paciência do Pedro!
2) A sociedade não pode distribuir o que ainda não foi produzido, a não ser recebendo um presente externo (uma melhoria das relações de troca, que é sempre transitória como aconteceu em 2003-2010) ou tomando emprestado no exterior (que a nossa experiência mostra que sempre termina muito mal). Logo vamos ter de nos acomodar com nossos próprios recursos.
3) Que essas duas restrições não são "ideológicas". São "físicas". Elas abrigam neoclássicos, marxianos, keynesianos, kaleckianos e até marcianos e impõem cuidadosa harmonia entre as políticas redistributivas e o nível de investimento que determina a taxa de crescimento do PIB. Sem crescimento, por motivo interno (investimento e exportação) ou externo ("bônus" ou "dívida"), a redistribuição continuada levará ao desastre. Isso nada tem a ver com a defesa do "capitalismo", considerado como um fenômeno "quase natural" e o "horizonte intransponível da sociedade civilizada", como querem alguns ingênuos "cientistas" que esquecem a história. Ele é um mero instante naquela construção, como mostraram Karl Marx (1818-1883), Max Weber (1864-1920), John Maynard Keynes (1883-1946), Joseph Schumpeter (1883-1850), Karl Polanyi (1886-1964), Fernand Braudel (1902-1985) e Albert Hirschman (1915-2012).
4) Que a política fiscal bem conduzida é a mãe de todas as políticas. É ela que: a) permite uma política de "meta de inflação" crível que quando; b) apoiada por uma política salarial que "acredita" na "meta", permite o aumento relativo do salário real e o controle da taxa de inflação com pequenas manobras sobre a taxa de juro real de longo prazo e c) deixa espaço para uma política cambial que estimula o nível interno de atividade.
5) A situação interna e a externa hoje não são nada favoráveis. Um programa crível, mas apoiado apenas num duro ajuste fiscal pontual e no aumento da taxa de juros real, poderá nos levar a uma recessão da qual não nos livraremos sem graves custos sociais, econômicos e políticos. Por outro lado, um programa de "pouco mais do mesmo" aprofundará o desânimo e continuará a piorar os indicadores sociais e econômicos até que ocorra uma crise.
Salta aos olhos que, em parte por conta da própria estagnação do PIB, a situação fiscal não é sustentável. Sua correção, entretanto, exige um programa transparente que a corrija em dois ou três anos, mas cuja credibilidade antecipe expectativas favoráveis aos investimentos e dê conforto aos trabalhadores no inevitável processo de ajuste. Não resta ao governo outra alternativa que não seja a de cooptar a confiança do setor privado para ajudar a realizá-lo.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: ideias.consult@uol.com.br
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