Os dirigentes da indústria automobilística orgulham-se de seus novos contratos de exportação. Entre os mais recentes, caminhões fabricados pela Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo serão usados para transportar água em minas de Serra Leoa.
Nas montadoras de automóveis, as equipes de vendas comemoram o fato de os chilenos, antes fiéis aos carros importados da Ásia, começarem a gostar também dos modelos brasileiros. O novo impulso da exportação, que já absorve quase 30% da produção de veículos no Brasil, levou a indústria a elevar projeções para o ano. Mas a falta de competitividade brasileira, alerta Olivier Murguet, presidente da Renault na América Latina (na foto), coloca em risco esse potencial. Devido a essa debilidade no Brasil, a direção da Renault já começa a pensar em trocar parte da exportação feita hoje a partir da fábrica do Paraná pela de Medellín, na Colômbia.
Da linha de produção que a Renault possui na cidade colombiana sai o Duster, veículo fabricado também no Brasil. Segundo Murguet, os cáculos mostram que exportar o Duster a partir de Medellín para alguns países latino-americanos abastecidos hoje pelo Brasil vai sair mais barato. "Apesar de ter aumentado bastante, a exportação brasileira de veículos continua frágil. Perde na concorrência para a Colômbia e, principalmente, para o México em termos de impostos, logística e mão de obra", destaca Murguet. Para o executivo, a capacidade de exportar está atrelada ao que acontece na atividade brasileira. "Somente a retomada econômica será capaz de garantir o aumento da produtividade que precisamos para manter a exportação", diz. "Não se constrói um futuro para a indústria automobilística no Brasil só com exportação", afirma. Apesar do cenário pessimista traçado pelo dirigente, o mercado externo transformou-se numa espécie de tábua de salvação para compensar a súbita queda de demanda nas vendas internas.
No primeiro semestre, as vendas da indústria de veículos a outros países somou um total de US$ 6,2 bilhões em divisas, o que representou um aumento de 57% na comparação com os seis primeiros meses de 2016. Há pouco mais de uma semana, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) aumentou de 7% para 35,6% a expectativa de exportações em 2017. Por conta do aumento do ritmo dos embarques, o setor espera agora também mais crescimento na produção. A projeção do início do ano era de aumento de 11,9% na produção de veículos em 2017. O novo cálculo indica que a expansão será de 21,5%, num total de 2,619 milhões de unidades. O volume está ainda distante da capacidade instalada, de cerca de 5 milhões de unidades. Os fabricantes de veículos se agarraram ao mercado externo ao perceber que a crise da demanda doméstica não era passageira. A própria Renault, que hoje exporta 34% do que produz no Paraná, montou, há quatro anos, plano para aumentar as vendas na América Latina.
A MAN, fabricante dos caminhões Volkswagen, adotou estratégia semelhante. Ao perceber as vendas no Brasil minguarem, a montadora alemã elaborou no ano passado um programa de investimentos de R$ 1,5 bilhão, quase todo voltado à internacionalização das vendas. "Se nosso caminhão serve para o Brasil serve também em mercados parecidos, como Peru, Chile, Argentina e África", afirma o presidente da empresa na América Latina, Roberto Cortes. Em pouco tempo, as vendas externas na MAN saltaram de 15% para 30%. "O mercado interno vai voltar, mas de forma gradual", diz o executivo. Para ele, manter a fatia externa em 30% seria saudável. Capacidade é o que não falta hoje na indústria de caminhões, ainda com ociosidade em torno dos 70%. Na Mercedes-Benz, o mercado externo também ajudou a aliviar a crise interna. De janeiro a junho, a montadora embarcou 3,9 mil caminhões, 44,3% mais do que no mesmo período do ano anterior. As exportações de ônibus da marca avançaram 24,2%. O chamado setor de customização da fábrica em São Bernardo do Campo (SP) ficou mais movimentado nos últimos meses.
Os veículos que serão usados nas minas em Serra Leoa receberam tanques para armazenar água e pneus mais largos. Caminhões destinados ao Ministério de Defesa de Emirados Árabes receberam pintura de base para camuflagem. No caso dos automóveis, colaborou para o avanço no mercado externo melhorias nos modelos fabricados no Brasil, que surgiram à esteira do Inovar-Auto, programa de benefícios fiscais criado pelo governo federal em 2012. Esse programa estabeleceu exigências de equipamentos de segurança, como airbags e freios ABS nos carros novos. O Chile, um mercado aberto e que havia se acostumado a importar veículos mais completos de países como a Coreia, passou a se interessar pelo produto brasileiro. Segundo a Anfavea, somente nos cinco primeiros meses do ano, as exportações de automóveis e comerciais leves para o mercado chileno aumentaram 218%. O Peru também passou a receber mais carros brasileiros. Hoje os volumes enviados aos peruanos estão 250% maiores do que há um ano. "Com o Inovar-Auto, os padrões dos nosso carros melhoraram não apenas em segurança mas também em nível de eficiência energética", destaca o presidente da Anfavea, Antonio Megale. Segundo ele, algumas empresas, como a Volkswagen, reforçaram suas equipes dedicadas ao mercado externo. Somente nos cinco primeiros meses do ano, a Volks, montadora que mais exporta no país, elevou as vendas externas em 63%. O volume exportado pela Volks corresponde a quase um quarto de todos os embarques da indústria automobilística brasileira.
Apesar da conquista de novos mercados, a maior força externa para a produção de veículos no Brasil vem da Argentina. É para o mercado argentino, o segundo maior na América do Sul, que seguem 68% das exportações das montadoras instaladas no Brasil. O fim das restrições à entrada de produtos estrangeiros ajudou no incremento de 42% nas vendas de carros para o país vizinho este ano na comparação com um ano atrás.
A General Motors espera aumentar as vendas para o mercado argentino em mais de 50% este ano. Para o Chile, os embarques da GM vão crescer 180,6%. Apesar da crise interna, o gigantismo do Brasil continua notável no mercado automotivo. Dos 5,5 milhões de veículos vendidos em toda a América Latina no ano passado, 36% saíram das fábricas brasileiras. Por isso, a demanda dos vizinhos chegou em boa hora. Para Murguet, a boa notícia é que essa indústria dá mostras de que pode exportar e a má é que ela perde quando confrontada em termos de competitividade. "Perceber que algo tem que mudar para tornar a exportação sustentável é o grande desafio", diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário