Com sólida experiência na área da educação, a professora Maria Helena Guimarães de Castro, 70 anos, desenhou, com uma equipe técnica, a reforma do ensino médio que o governo Temer baixou por meio de uma medida provisória. Em sua segunda passagem pelo Ministério da Educação (a primeira foi no governo FHC), agora como secretária executiva do ministro Mendonça Filho, Maria Helena tem plena consciência de que mexeu em um vespeiro — até o apresentador Fausto Silva, no Domingão do Faustão, esculhambou a proposta. Para ela, depois de duas décadas de debates inconclusivos, a reforma do ensino precisava mesmo de uma chacoalhada decisiva. Em seu gabinete em Brasília, a educadora recebeu VEJA para a entrevista a seguir.
O Faustão se referiu à reforma como uma decisão de “cinco gatos-pingados que não sabem p… nenhuma”. Foi isso mesmo?
O Faustão deu uma mostra de ignorância e grosseria da pior espécie. Claramente não sabe do que está falando, não leu nada e saiu por aí difundindo inverdades. Esta reforma não é obra de uns gatos-pingados. Não é uma ideia ao acaso. Ela vem sendo discutida há duas décadas no Brasil, independentemente de governos e partidos, porque o modelo em vigor é um fracasso.
Se a necessidade de mudança é tão evidente, por que saiu via medida provisória, que é por natureza um instrumento autoritário?
Por uma questão de urgência mesmo. Um projeto de lei que propõe a reforma se arrasta desde 2013 no Congresso e está parado. Enquanto o tempo passa, os jovens ficam enredados em um sistema de péssima qualidade, reconhecido como um dos piores do planeta. A meu ver, a relevância do assunto justifica a medida provisória.
Se o assunto é tão urgente, por que fica parado no Congresso?
Porque a reforma mexe em vários vespeiros. Corporações de professores temem perder direitos adquiridos. Há uma indústria gigantesca para preparar os jovens para o Enem, passaporte para a universidade que se baseia no atual modelo de ensino médio. São forças que se fazem representar no Congresso. E pesa ainda um fator político. Parlamentares podem entender que encampar tal proposta não é tão vantajoso do ponto de vista eleitoral.
Mesmo com essas forças contrárias, a senhora acredita que a MP, ainda sujeita à apreciação de deputados e senadores, vingará?
As sinalizações que temos hoje são positivas. O ministro da Educação está encarregado das costuras políticas. Acho que o debate, embora longe da unanimidade, já alcançou grau de maturidade suficiente.
Mas, no meio do barulho enorme ocorrido nas redes sociais, não havia uma vastidão de opiniões inconclusivas?
A discussão sobre a reforma se desenrola desde 1996, no âmbito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB. Passou pelo governo FHC, ficou viva em toda a era petista e, agora, ocorre na gestão Temer. É uma questão apartidária, e os próprios secretários de Educação, responsáveis por sua implantação em cada estado, estão pedindo por uma mudança. São sinais de maturidade do debate.
Por que tanta crítica então?
A resistência a mudanças é da natureza humana, mas no Brasil, e no caso específico da educação, é muito pior. O que estamos propondo — a flexibilização de uma parte do tempo do jovem na escola — bate de frente com uma ideia incrustada no caldo cultural da academia brasileira, que reverbera por toda a sociedade. É a ideia de que todo mundo tem direito ao mesmo ensino, independentemente de classe social, cor, credo. Esse discurso soa inclusivo, mas trata-se aqui de um pseudoigualitarismo. Na verdade, engessar os jovens no mesmo modelo cria uma grande desigualdade, cria uma das maiores desigualdades do mundo.
Como isso ocorre?
Uma parcela importante dos jovens fica pelo caminho, sem chance nenhuma de um bom futuro. Metade dos que ingressam no ensino médio não se forma. Menos de 20% deles vão para a universidade. Um batalhão entre 15 e 17 anos está fora da escola. O que o Brasil pratica com seu modelo monolítico, único no mundo, é a igualdade da mediocridade. O sistema atual não abre caminhos diferentes para pessoas de capacidades e ambições diferentes. Ele fecha portas. Muita gente não entendeu que, ao propor trajetórias diversas dentro da escola, a reforma defende justamente a igualdade de oportunidades.
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