Por Rosângela Bittar
A presidente Dilma Rousseff demitiu o chanceler Antonio Patriota em boa hora, por motivo forte, para alívio dela, do staff do Itamaraty enjoado da perda de poder e prestígio e, com certeza, do próprio ministro, cansado de ouvir todos os dias advertências sobre sua demissão iminente. Dilma queria, e não escondia, defenestrá-lo há muito tempo, por que não o fez não se sabe. Talvez pela dificuldade que tem de trocar ministros. Suas frituras são longas e dolorosas.
Escolheu para substituí-lo o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, um diplomata em quem já confiava porque, apesar do fiasco da Rio+20, avaliou que ele foi hábil negociador e fez tudo o que podia para reduzir o fracasso a só uma aparência.
Acaba por aí a clareza do episódio de remoção do senador boliviano Roger Molina da embaixada brasileira na Bolívia para Brasília, conduzido espetacularmente estrada afora por Eduardo Saboia, o encarregado de negócios da embaixada e embaixador substituto, hoje já um herói nacional pelo quixotesco feito.
Figueiredo tem missão que desafia o hábil negociador
Revoltou-se com a demora de 450 dias do governo da Bolívia para dar um salvo conduto à transferência do asilado, que vivia em condições subhumanas que agravavam suas doenças, podendo mesmo levá-lo à depressão e à morte. Impacientou-se com a lentidão do governo brasileiro em negociar uma solução.
A presidente da República do Brasil não sabia que o senador estava em um cubículo, sem sol e sem companhia, deprimido, há mais de um ano, tal prisioneiro fosse? Ignorava que Eduardo Saboia pedia solução, com insistência, ao Itamaraty? Evitou viagem à Bolívia nesse período por qual razão? Seu ministro de Relações Exteriores alterno, com gabinete no Planalto, Marco Aurélio Garcia, que nos governos do PT tem dividido com o Itamaraty a execução da política externa na América do Sul e Caribe achava o quê do dramático caso? Ninguém do governo falou com o presidente Evo Morales nesses 450 dias? O PT, que desde o governo Lula fez a opção pela ideologização das relações externas continua a defender Morales, Kirchner, Correia e companhia, não se importa mesmo com o grau de curvatura política e comercial do governo brasileiro aos desejos exóticos dos vizinhos?
Há nebulosidade em qualquer ângulo de que se olhe essa história. É óbvio que Dilma sabia da situação do senador boliviano, e continua incompreensível a negligência se confrontada com declarações que fez ontem sobre o caso: condena Saboia, tanto que afastou-o, puniu também o embaixador titular interceptado em pleno voo rumo a outro posto para o qual o designara, instou o chanceler a pedir demissão, ao mesmo tempo em que condenou os maus tratos a asilados. Sim, exatamente o que Saboia tentou evitar, a morte de quem estava preso e confinado a um cubículo há 450 dias e deveria ser protegido. Diz a presidente que estava negociando salvo conduto há meses, mas o fato é que não o obteve. O contrassenso marca sua declaração:
"Um país civilizado e democrático protege seus asilados, sobre os quais ele tem que garantir, sobretudo, a segurança em relação à integridade física". Referia-se aos riscos do translado. Mas o que foi mesmo que o diplomata Eduardo Saboia fez, e para salvar e proteger quem?
O que parece ter agastado a presidente foi a comparação feita pelo diplomata entre a prisão da embaixada e a prisão da ditadura militar. Dilma tem razão em parte, nos porões era o inferno, mas não se pode dizer, como disse, que um asilado tomado pela depressão, morando em um cubículo sem banheiro, sem ver o sol há 450 dias, sem visitas, sem família, apresentando risco de morte, estivesse no céu.
Vizinhos, como Evo Morales, conseguem fazer o que querem nos seus paises e nas relações com o Brasil, veem a realização da solução que sugeriram como a melhor - a fuga pela estrada sem salvo conduto - e de lambugem ajudam a presidente brasileira a fazer a reforma ministerial que queria. Bom para quase todos.
E a presidente Dilma e seu governo comprovam que ainda têm na gestão seu calcanhar de aquiles, fato que se sobressai em qualquer área que esteja no foco do dia. Na verdade, neste caso, o governo brasileiro não conseguiu administrar um asilo dado sem pestanejar ou medir a folha corrida do contemplado.
As deficiências do Ministério das Relações Exteriores estão à mostra desde o governo do ex-presidente Lula, mas o performático ex-chanceler Celso Amorim fazia tanto barulho e imprimia tal agressividade ao seu discurso que conseguia até obscurecer a falta de uma política externa que, também à sua época, já não existia. E não são diferentes das deficiências da política de Saúde, o maior problema do governo brasileiro e a maior dívida com seus cidadãos-eleitores, da política de mobilidade do Ministério das Cidades ou de segurança do Ministério da Justiça, entre outras emperradas zonas turbulentas da administração pública. É preciso saber qual é o plano, e não se sabe.
Patriota, por exemplo, foi escolhido ministro por ser quem é: um profissional de carreira, discreto, sem exarcebação política ou midiática, descolorido, um diplomata para repor equilíbrio ao Itamaraty e levar a casa a superar a traumática fase de punição aos melhores quadros com o ostracismo, dissipar o clima arrivista deixado por Samuel Pinheiro Guimarães. Patriota é um cumpridor de ordens, mas elas não chegaram.
O Itamaraty é um sistema, tem um ritual, uma legislação, uma linguagem universal na execução da política. Luiz Alberto Figueiredo, por diplomatas esperado com esperança, está mais para o modelo da discrição do que do marqueteiro, não vai quebrar a louça. Mas se o governo continuar à deriva na gestão, por mais que lhe baste, sendo especialista em Meio Ambiente, dar à candidatura Dilma à reeleição o estofo na área para concorrer com Marina Silva na campanha presidencial, o competente embaixador não conseguirá erguer sozinho neste governo a diplomacia presidencial que vem sendo praticada no Brasil. Sem política, sem o carisma de Lula ou o respeito internacional automático de Fernando Henrique Cardoso.
Advogados eleitorais perceberam que o que a candidata Marina Silva pede ao Tribunal Superior Eleitoral é simplesmente que cometa uma ilegalidade, aprovando seu partido sem o cumprimento das normas. O argumento, para isso, é o da popularidade: o desejo do eleitorado que seja candidata. A resposta do TSE está sendo aguardada com grande ansiedade pelo seu caráter de referência a outras pretensões.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
E-mail: rosangela.bittar@valor.com.br
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