Há anos não viajava para o destino escolhido no feriado que passou, no litoral norte de São Paulo.
A paisagem é totalmente outra em relação à última vez: novas lojas,
muitas com ar condicionado, supermercados grandes e modernos e muita,
muita gente.
Há muito tempo também não pegava uma estrada, dirigindo, no Brasil.
O tráfego está horrível. Quando podem, os carros voam. Os motoristas são
mal educados e absurdamente imprudentes. Quanto maior e mais potente o
veículo, maior também a audácia.
A ascensão da classe C no Brasil vem expondo no cotidiano das cidades e
de locais antes tranquilos a saturação. E a tremenda falta de senso do
coletivo que existe no Brasil.
Os que ultrapassam nas faixas contínuas a 150 km por hora, que param
seus carros em qualquer lugar sem se importar com o ir e vir dos demais
ou que abrem porta-malas para despejar músicas altas são a face mais
visível dessa doença, bem brasileira.
O que se vê é a apropriação privada de locais públicos. Seja por
famílias porcalhonas na praia e motoristas que trafegam impunes pelos
acostamentos nas rodovias à evidente ocupação ilegal, pela antiga e nova
classes média e C, de encostas e áreas de preservação.
É o mesmo fenômeno que entope o trânsito nas cidades. Falta
infraestrutura, assim como falta educação e civilidade no Brasil
emergente.
Há algumas décadas, os ricos e bem de vida optaram por se fechar em
condomínios. Esperavam fugir da violência, da pobreza e do "povão", que
pouco os incomodava nas férias ou feriados, imobilizados pela falta de
recursos.
A classe dominante, endinheirada mas não necessariamente civilizada,
também desfrutava de mais exclusividade. Podia se esbaldar com seus jet
skis, voar em carros por estradas mais vazias e construir como quisesse à
beira mar.
O quadro mudou. Hoje, há cada vez mais brasileiros competindo por aeroportos, estradas, praias, pousadas, restaurantes.
É ótimo que seja assim, e que se cobre mais infraestrutura a partir de nossos impostos.
Mas, nesse novo contexto, a classe emergente só replica o comportamento da antiga minoria.
É cada um por si. Nisso o Brasil não mudou.
Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi
secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em
Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro
"Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às
segundas-feiras na Folha.com.
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