Sergio Lamucci e João Villaverde
Valor Econômico
Os preços dos produtos importados da China despencaram desde o começo do ano, aumentando ainda mais a dificuldade das empresas brasileiras de concorrer com os rivais asiáticos. De janeiro a setembro, as cotações em reais de muitas das mercadorias chinesas superaram com folga a valorização do câmbio no período, um sinal de que houve recuo também em dólar, como mostra um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) feito a pedido do Valor, com base nos números do Ministério do Desenvolvimento.
Há casos em que, em nove meses, os preços dos produtos em reais caíram mais de 50%, como os das bolsas de matérias têxteis (-63,3%), dos calçados de matéria têxtil com sola de borracha (-51,7%) e dos brinquedos representando animais e criaturas não humanas (-54,7%). Para comparar, o dólar médio caiu 21,1% de janeiro a setembro, de R$ 2,31 para R$ 1,82.
O estudo da Fiesp deixa claro que o o aumento da concorrência chinesa se espalha por diversos setores da economia , como destaca o diretor titular de Relações Internacionais e Comércio Exterior da entidade, Roberto Giannetti da Fonseca. No setor de borracha e plástico, os preços de pneus novos para ônibus ou caminhões caíram 46,5% de janeiro a setembro, enquanto houve recuo de 31,9% nos dos caminhões-guindastes com hastes telescópicas, de 44,9% nos móveis de metal e de 42,2% nos terminais portáteis de telefonia celular. Giannetti diz que os chineses, ao manterem a cotação do yuan fixa em relação ao dólar, "pegaram carona" na desvalorização da moeda americana em relação às divisas do resto mundo, "especialmente o real, a que mais se valorizou".
Para complicar ainda mais a situação dos concorrentes brasileiros, os chineses conseguem reduzir os seus preços em dólar. "É uma concorrência desleal." Segundo Giannetti, é "absolutamente impossível" para as empresas brasileiras obterem ganhos de produtividade suficientes para enfrentar a magnitude da diminuição dos preços dos produtos chineses. Para ele, já está em curso um processo de desindustrialização no país. Há empresas de autopeças que passaram a importar produtos da China e apenas colocam a marca no Brasil, segundo ele. "Eu vejo diariamente na Fiesp empresários desesperados para tentar barrar a competição chinesa."
O segmento têxtil é um dos que mais sofrem com a competição dos asiáticos. "A economia está em recuperação, entrando no período das festas de fim de ano com ritmo acelerado, impulsionando o crescimento a partir de 2010. O setor têxtil, porém, não está aproveitando praticamente nada", afirma Domingos Mosca, coordenador da área internacional da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Segundo ele, o "derretimento" do real contribui para fortalecer o ingresso em massa de produtos chineses, especialmente roupas e tecidos. "Somos um setor muito sensível ao câmbio. Essa competição predatória com os chineses está nos asfixiando", afirma Mosca.
A fabricação nacional do tecido denim, usado na produção do jeans, custou, em média, US$ 5,24 o quilo nos primeiros nove meses deste ano. Na China, o mesmo produto chegou ao Brasil custando US$ 4,20 o quilo. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, a balança comercial deste tipo de tecido é favorável em 2009 até setembro - US$ 17,7 milhões. Representantes do setor, no entanto, apontam que esse cenário não deve durar por muito mais tempo.
"Numa feira em Xangai na semana passada, um metro de tecido denim era negociado a US$ 1,60. Aqui, de jeito nenhum podemos vender o metro por menos de US$ 2. O saldo comercial não se sustentará", afirma Mosca. Segundo ele, a balança comercial de tecidos e vestuário deve fechar negativa em US$ 2 bilhões neste ano. A situação é mais dramática na comercialização de vestuário. Dados da Abit apontam que a fabricação nacional custa US$ 34,70 por quilo. As importações chinesas chegam ao Brasil com preços 60,3% mais baratos - US$ 13,70 por quilo.
Para Mosca, os industriais chineses são incentivados à exportar por meio do câmbio desvalorizado em relação ao dólar, os baixos encargos trabalhistas e a pequena carga tributária. "No Brasil é tudo ao contrário. Enquanto os encargos chineses representam 15% dos salários, aqui eles superam 100%. Como se não bastasse, nossa moeda não para de se valorizar, dificultando ainda mais a exportação e facilitando a vida da China no nosso mercado", afirma.
Para Rinaldo Dini, dirigente do Sindicato da Indústria Óptica (Siniop), além das condições facilitadas para produção e exportação, os chineses também se apoiam na internalização ilegal do produto - o contrabando. Segundo Dini, uma prática comum é declarar um preço mais alto para escapar da cobrança de impostos de importação mais elevados, mas comercializar em território brasileiro por um preço mais baixo.
Rinaldi avalia que nem mesmo avanços na fiscalização da Receita Federal são capazes de, isoladamente, dar competitividade ao produto nacional. Segundo dados do Siniop, os preços das armações de óculos no Brasil variam, na média, entre R$ 20 e R$ 70. A armação chinesa, por sua vez, custa, na média, US$ 6 (R$ 10,38). "Com a taxa de câmbio em R$ 2, o produto chinês pode ser vendido por R$ 15 que, além de ser mais barato que o brasileiro, ainda devolve lucro ao importador." O raciocínio, na prática, é mais "cruel", diz ele, uma vez que o câmbio está muito "pior" que R$ 2 - fechou na sexta-feira a R$ 1,73. "No setor de óculos, tinhamos por volta de 300 fábricas. Nos últimos quatro anos, a maioria fechou, e uma parcela passou a importar da China. Restam entre 15 a 20 fábricas que ainda produzem armações."
Manuel Miguez, proprietário da Escovas Fidalga, afirma que, mantidos taxa de câmbio e encargos trabalhistas, apenas um "milagre" pode salvar o mercado interno brasileiro de "invasão" dos produtos chineses nos próximos anos. O preço médio de uma escova de cabelo produzida no mercado nacional é R$ 15, enquanto os importados chineses são vendidos pela metade do preço no varejo. Esse diferencial convenceu diversas empresas do setor a importar o produto da China, desativando a produção local. O movimento, afirma Miguez, é altamente lucrativo, uma vez que o espaço antes destinado a máquinas e operários pode ser ocupado por caixas do produto final, importado. Miguez, que também preside o Sindicato da Indústria de Móveis de Junco e Vime e Vassouras e de Escovas e Pincéis no Estado de São Paulo (Simvep), afirma que os importadores hoje são maioria no setor. "O que não deixa de ser um tiro no pé. Se todo mundo virar importador, teremos muito menos trabalhadores. Sem emprego, não temos consumo. É uma bola de neve, e está apenas começando", afirma ele.
A Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei) tem obviamente uma visão diferente sobre a concorrência chinesa. O diretor-secretário da entidade, Daniel Dias de Carvalho, diz que os produtos da China vendidos no Brasil são aqueles com menor valor agregado, um segmento no qual os brasileiros têm dificuldades de competir em grande parte por questão de escala.
Ele defende a importação das máquinas da China como uma maneira de os empresários brasileiros reduzirem seus custos de investimento. "Se você sabe quanto custa uma máquinas chinesa e percebe que ela atende perfeitamente o seu propósito, estaria disposto a pagar o dobro do preço por uma máquina nacional? Além disso, há várias casos de máquinas em que há produção nacional capaz de suprir a demanda."
Carvalho diz que o dólar a R$ 1,70 não é o câmbio ideal para o setor. "É melhor uma taxa de R$ 2 a R$ 2,10, e mais estável." Nesse nível, o dólar fica num patamar mais adequado para toda a economia, diz ele. É um câmbio ainda competitivo para os importadores, que teriam a possibilidade de vender também mais produtos às empresas exportadoras, cujo desempenho melhoraria com uma moeda americana mais cara.
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