Pesquisa norte-americana publicada na Science comprova relação
entre a temperatura dos oceanos e as queimadas na Amazônia. Os
cientistas elaboraram uma fórmula que permite prever, com pelo menos
três meses de antecedência, as áreas de mata mais suscetíveis ao
fogoNotíciaGráfico
Todos
os anos, a Amazônia é vítima de centenas de incêndios — naturais ou
provocados pelo homem — que consomem grandes áreas florestais. Prever
quando e onde o fogo pode surgir tem sido um desafio para os governos
que cuidam da maior floresta tropical do mundo. Uma pesquisa publicada
na edição de hoje da revista científica Science promete ajudar o
planejamento dessas políticas públicas. O estudo afirma que, observando
a temperatura da porção norte do Oceano Atlântico e das regiões central
e oeste do Pacífico, é possível prever, com pelo menos três meses de
antecedência, a ocorrência das queimadas.
Para chegar a essa
conclusão, especialistas da Universidade da Califórnia em Irvine e da
Nasa analisaram dados de satélites sobre as queimadas que atingiram a
região na última década e os cruzaram com gráficos de temperatura dos
dois oceanos no mesmo período. Eles observaram que, à medida que as
águas salgadas ficam mais frias, a Amazônia se torna mais úmida.
Consequentemente, a floresta se torna mais resistente às chamas. O
oposto também acontece: mar quente é sinônimo de continente seco e
floresta em chamas. Com base nesses dados, eles elaboraram uma equação
matemática que, dependendo da região, pode antecipar as áreas mais
suscetíveis a incêndios, às vezes com cinco meses de antecedência.
Em
entrevista ao Correio, o líder do estudo, Yang Chen, da Universidade da
Califórnia, explica que pequenas perturbações na superfície do mar
podem resultar em uma mudança significativa na circulação atmosférica.
"Essa, por sua vez, aumenta e diminui a quantidade de chuvas", conta. A
pluviosidade no fim do período chuvoso é a grande responsável pela
recarga de umidade, portanto, de proteção da floresta. "Níveis altos de
água do solo afetam o combustível do fogo, por exemplo, madeiras e
ervas, e facilitam a precipitação durante a estação seca, o que diminui a
propagação do fogo", explica o especialista.
Isso significa
que, quando os oceanos estão mais quentes, há menos chuva na Amazônia,
em especial na transição entre o período de umidade e o tempo seco.
Mais seca, a floresta está mais suscetível a incêndios. Além disso, nos
anos em que a água do mar está mais quente, a chuva que pode combater
os possíveis focos de incêndio é ainda mais escassa, facilitando a
propagação das chamas por grandes áreas e atrapalhando o trabalho dos
bombeiros.
Antecipação
No Brasil ,
quase a totalidade dos incêndios na Floresta Amazônica são causados pela
ação humana, principalmente para a expansão das terras agricultáveis.
Os especialistas garantem que a pesquisa pode ser útil inclusive nesses
casos. "Muitas vezes, as pessoas esperam o tempo seco para queimar as
florestas mais intensamente, e nossos estudos podem prever essas
estações e orientar as ações governamentais", conta Chen. "Além disso,
nossa pesquisa mostrou que a questão climática é mais preponderante do
que a pressão humana para as queimadas. Ou seja, quando o clima é
favorável, a floresta fica mais forte para se defender", completa o
pesquisador Douglas Morton, do Centro de Pesquisas de Hidrosfera e
Biosfera da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos.
O
pesquisador Philip Fearnside, do Instituto de Pesquisas Amazônicas
(Inpe), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), explica que a
relação entre a temperatura dos oceanos e as queimadas na Amazônia já
era conhecida e estudada há alguns anos. "Para que haja fogo, é
necessário que tenha combustível, no caso, matéria vegetal seca, e um
estopim, que pode ser um raio ou a ação do homem", explica o
especialista. Mas o problema tende a se agravar com o aquecimento
global. "A tendência é que as queimadas se tornem cada vez mais
frequentes com o aumento da temperatura do planeta, e com fenômenos como
o El Niño", conta Fearnside. "Se por um lado o aquecimento global age
diretamente sobre a floresta, deixando-a mais seca, por outro, ele
aquece os oceanos, provocando alterações nos ciclos das massas de ar",
completa.
O norte-americano Douglas Morton, da Nasa, conta à
reportagem que a pesquisa transmite resultados que podem ser utilizados
para outros biomas da América do Sul. "Tivemos o cuidado em nosso
estudo de aplicar o método em todo o subcontinente e, para nossa
surpresa, obtivemos o mesmo resultado", revela. Assim, o cálculo
elaborado pode servir para prever as temporadas de queimadas no cerrado,
na Mata Atlântica ou mesmo nas regiões de pampa.
Os
pesquisadores estão agora desenvolvendo estudos semelhantes para
formações vegetais de outros lugares do mundo. "Conseguimos traçar
relações semelhantes entre a temperatura oceânica e os ciclos de
queimadas na floresta de Sumatra", diz o especialista da Nasa. "No
entanto, lá, a relação é mais imediata. Não conseguimos prever as
queimadas com a mesma antecedência, de até cinco meses, como fizemos na
América do Sul."
Correio Braziliense
Max Milliano Melo
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