sábado, 12 de novembro de 2011

Mar quente, floresta em chamas

Pesquisa norte-americana publicada na Science comprova relação entre a temperatura dos oceanos e as queimadas na Amazônia.  Os cientistas elaboraram uma fórmula que permite prever, com pelo menos três meses de antecedência, as áreas de mata mais suscetíveis ao fogoNotíciaGráfico


Todos os anos, a Amazônia é vítima de centenas de incêndios — naturais ou provocados pelo homem — que consomem grandes áreas florestais.  Prever quando e onde o fogo pode surgir tem sido um desafio para os governos que cuidam da maior floresta tropical do mundo.  Uma pesquisa publicada na edição de hoje da revista científica Science promete ajudar o planejamento dessas políticas públicas.  O estudo afirma que, observando a temperatura da porção norte do Oceano Atlântico e das regiões central e oeste do Pacífico, é possível prever, com pelo menos três meses de antecedência, a ocorrência das queimadas.

Para chegar a essa conclusão, especialistas da Universidade da Califórnia em Irvine e da Nasa analisaram dados de satélites sobre as queimadas que atingiram a região na última década e os cruzaram com gráficos de temperatura dos dois oceanos no mesmo período.  Eles observaram que, à medida que as águas salgadas ficam mais frias, a Amazônia se torna mais úmida.  Consequentemente, a floresta se torna mais resistente às chamas.  O oposto também acontece: mar quente é sinônimo de continente seco e floresta em chamas.  Com base nesses dados, eles elaboraram uma equação matemática que, dependendo da região, pode antecipar as áreas mais suscetíveis a incêndios, às vezes com cinco meses de antecedência.

Em entrevista ao Correio, o líder do estudo, Yang Chen, da Universidade da Califórnia, explica que pequenas perturbações na superfície do mar podem resultar em uma mudança significativa na circulação atmosférica.  "Essa, por sua vez, aumenta e diminui a quantidade de chuvas", conta.  A pluviosidade no fim do período chuvoso é a grande responsável pela recarga de umidade, portanto, de proteção da floresta.  "Níveis altos de água do solo afetam o combustível do fogo, por exemplo, madeiras e ervas, e facilitam a precipitação durante a estação seca, o que diminui a propagação do fogo", explica o especialista.

Isso significa que, quando os oceanos estão mais quentes, há menos chuva na Amazônia, em especial na transição entre o período de umidade e o tempo seco.  Mais seca, a floresta está mais suscetível a incêndios.  Além disso, nos anos em que a água do mar está mais quente, a chuva que pode combater os possíveis focos de incêndio é ainda mais escassa, facilitando a propagação das chamas por grandes áreas e atrapalhando o trabalho dos bombeiros.

Antecipação
No Brasil , quase a totalidade dos incêndios na Floresta Amazônica são causados pela ação humana, principalmente para a expansão das terras agricultáveis.  Os especialistas garantem que a pesquisa pode ser útil inclusive nesses casos.  "Muitas vezes, as pessoas esperam o tempo seco para queimar as florestas mais intensamente, e nossos estudos podem prever essas estações e orientar as ações governamentais", conta Chen.  "Além disso, nossa pesquisa mostrou que a questão climática é mais preponderante do que a pressão humana para as queimadas.  Ou seja, quando o clima é favorável, a floresta fica mais forte para se defender", completa o pesquisador Douglas Morton, do Centro de Pesquisas de Hidrosfera e Biosfera da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos.

O pesquisador Philip Fearnside, do Instituto de Pesquisas Amazônicas (Inpe), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), explica que a relação entre a temperatura dos oceanos e as queimadas na Amazônia já era conhecida e estudada há alguns anos.  "Para que haja fogo, é necessário que tenha combustível, no caso, matéria vegetal seca, e um estopim, que pode ser um raio ou a ação do homem", explica o especialista.  Mas o problema tende a se agravar com o aquecimento global.  "A tendência é que as queimadas se tornem cada vez mais frequentes com o aumento da temperatura do planeta, e com fenômenos como o El Niño", conta Fearnside.  "Se por um lado o aquecimento global age diretamente sobre a floresta, deixando-a mais seca, por outro, ele aquece os oceanos, provocando alterações nos ciclos das massas de ar", completa.

O norte-americano Douglas Morton, da Nasa, conta à reportagem que a pesquisa transmite resultados que podem ser utilizados para outros biomas da América do Sul.  "Tivemos o cuidado em nosso estudo de aplicar o método em todo o subcontinente e, para nossa surpresa, obtivemos o mesmo resultado", revela.  Assim, o cálculo elaborado pode servir para prever as temporadas de queimadas no cerrado, na Mata Atlântica ou mesmo nas regiões de pampa.

Os pesquisadores estão agora desenvolvendo estudos semelhantes para formações vegetais de outros lugares do mundo.  "Conseguimos traçar relações semelhantes entre a temperatura oceânica e os ciclos de queimadas na floresta de Sumatra", diz o especialista da Nasa.  "No entanto, lá, a relação é mais imediata.  Não conseguimos prever as queimadas com a mesma antecedência, de até cinco meses, como fizemos na América do Sul."
 Correio Braziliense
 Max Milliano Melo

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