Crise faz economistas rever seu manual
Mercado livre, ausência do Estado e obsessão com inflação perdem força no receituário de política econômica
Olivier Blanchard, do FMI, propõe debate em busca de ideias para "admirável mundo novo" criado pela crise
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
O velho manual que orientou a condução da política
econômica nas últimas décadas está sendo revisto.
Esqueçam os conceitos de
mercados financeiros livres
de interferência do Estado;
da preocupação exclusiva
dos Bancos Centrais com a
inflação, e de reprovação ao
uso de controles de capitais.
A crise financeira de 2008
provoca o surgimento de um
novo pensamento econômico, batizado por Olivier Blanchard, economista-chefe do
FMI, de "admirável mundo
novo" (título do livro clássico
de Aldous Huxley).
O debate também provoca
polêmica no Brasil, onde o
governo tem sido criticado
por supostamente adotar
postura mais flexível no controle da inflação e dos gastos
públicos a fim de evitar desaceleração econômica brusca.
Em seminário organizado
pelo FMI no início de março,
houve consenso entre notáveis da economia sobre visões erradas do passado.
Há décadas o pensamento
econômico predominante
(também chamado de ortodoxo) defendia, por exemplo, o mínimo de interferência do Estado no funcionamento dos mercados.
A crise global de 2008 provou que se tratava de um erro. A bolha de preços no setor
imobiliário em vários países
desenvolvidos -fruto de especulação e endividamento
excessivos- estourou arrastando o mundo para a maior
recessão desde o pós-guerra.
"Há consenso agora de
que bolhas precisam ser
combatidas", disse à Folha o
economista americano John
Williamson, um dos palestrantes no evento do FMI.
Isso implica papel mais
ativo do Estado nas áreas de
fiscalização e regulação.
NOVAS METAS
Outro ponto que representa grande mudança em relação ao "velho consenso" se
refere à política monetária.
Até então, prevalecia no
pensamento econômico ortodoxo a ideia de que a política monetária deveria ter um
instrumento (taxa de juros)
para perseguir um objetivo (a
estabilidade dos preços).
Agora, preservação do
crescimento e estabilidade
do sistema financeiro foram
adicionados à lista de metas.
Já as regras para que bancos não tomem riscos excessivos -chamadas medidas
macroprudenciais, no jargão
econômico- entraram para
o rol de instrumentos importantes de política monetária.
O problema, segundo Williamson, é que há discordância e dúvidas sobre como
esses novos instrumentos e
mecanismos para regular a
atuação dos mercados devem ser implementados.
Essas incertezas também
transparecem em documento escrito por Blanchard resumindo as principais conclusões da conferência:
"Nós podemos ter muitos
instrumentos de políticas,
mas não temos certeza sobre
como usá-los".
É nessa zona cinzenta da
discussão que entra a situação atual do Brasil.
O Banco Central adotou
medidas prudenciais para
frear a expansão do crédito e
sugere que os efeitos colaterais dessa política ajudarão a
reduzir pressões inflacionárias. O mercado é cético e defende forte aperto monetário
via mais aumentos de juros.
Em artigo publicado na
Folha na semana passada, o
economista Antonio Delfim
Netto disse que as conclusões do encontro do FMI indicam que o BC está em sintonia com o pensamento
econômico emergente.
O economista-chefe do
Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, ressalta, no entanto,
que "lá fora não se pensam
em medidas prudenciais como instrumento para controle de inflação", mas para evitar, por exemplo, o endividamento excessivo.
A visão é compartilhada
por Eduardo Giannetti da
Fonseca, do Insper (Instituto
de Ensino e Pesquisa), que
afirma que o principal instrumento para conter pressões inflacionárias continua
sendo a taxa de juros:
"O uso de medidas prudenciais como alternativa no
combate à inflação é território incerto, o que traz riscos".
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