sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Alegorias de uma cubana no exílio Para ler fim de semana.


Zoé Valdés se tornou reconhecida como escritora ao dar aos personagens de seus romances vozes de oposição a Fidel Castro. A autora cubana nasceu em Havana em 1959 - alguns meses depois que "el comandante" e Che Guevara retiraram do poder o ditador Fulgencio Baptista. Três décadas mais tarde, exilou-se em Miami e depois em Paris, onde vive até hoje. A sua obra se ambienta entre as suas experiências vividas na ilha e no desterro político. Também traz histórias de amor, encontros e desencontros.

Zoé: "O Todo Cotidiano" se baseia em experiências vividas na Cuba natal, em Miami e Paris
Assim é em "O Todo Cotidiano", recém-lançado no Brasil. O livro reúne o primeiro título de sucesso da autora, "O Nada Cotidiano" (1997), e o inédito "O Tudo Cotidiano". No primeiro, a personagem relata o seu dia a dia em Cuba, as descobertas amorosas, ambições, confusões. Critica o regime sob o qual nasceu. No segundo, fala do exílio nos Estados Unidos e na Europa. E a crítica prossegue.
 
Espécie de alter ego da autora, a narradora e personagem principal é batizada pelo pai com o nome curioso de Pátria. O homem, fervoroso adepto da revolução, se emociona ao saber que, pouco antes de sua filha nascer, Che cobriu a barriga de sua mãe com a bandeira cubana. Depois, ela deu à luz a menina.





Essa seria uma das partes autobiográficas das histórias contadas por Zoé, convidada a vir ao Brasil para a próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Em recente entrevista publicada na internet, ela contemporiza: "O livro é bastante autobiográfico, o personagem tem muito de mim, mas é um romance". De acordo com a autora, a primeira parte tem a ver com um período precário que viveu em Cuba entre 1993 e 1994. A segunda mescla a sua vivência fora do país à de outras pessoas que conheceu.

Na ilha caribenha, Pátria se sente oprimida e sem liberdade. Ela muda de nome e passa a se chamar Yocastra - um híbrido de Jocasta com Cassandra - porque o primeiro homem por quem se apaixona não queria fazer amor com a Pátria. Ele é mais velho, tem pinta de intelectual e escritor de caráter duvidoso. Os dois vivem vários anos juntos e se casam em uma manobra manipulada - até ela descobrir que o marido é uma farsa, um opressor. Adulta, a personagem incorre no mesmo erro em Paris, com consequências ainda mais nefastas.
Tentando fazer uma alegoria com a história que relata, Zoé nomeia esse primeiro marido como Traidor. A maioria dos personagens traz no nome uma carga embutida: a amiga Gusano (verme, na tradução exata; delator, na linguagem figurada em Cuba), o amigo Lince, o amante Niilista, o Inseto Cubano. Aída, a mãe, é reconhecida como "a ida", em razão de um período em que entra em um estado emocional letárgico e sem memória.

Em Paris, reflete o sofrimento que sulca o coração, a psique e as emoções dos exilados. O romance ganha ritmo acelerado, de suspense e surpresas definidoras. Ali Yocastra vive os melhores e últimos anos de sua mãe. Faz amigos e se casa pela segunda vez com um cubano que, mais tarde, surpreenderá para o mal. Infeliz, sonha com a chegada de seu verdadeiro amor, o Niilista, preso político.

"O Todo Cotidiano"

Zoé Valdés Trad.: Ari Roitman e Paulina Wacht Benvirá, 320 págs., R$ 34,90 / BB+